sábado, 25 de abril de 2020


SOCIEDADE – uma questão de educação


– “UMA SOCIEDADE SÓ É DEMOCRÁTICA QUANDO NINGUEM FOR TÃO RICO QUE POSSA COMPRAR ALGUÉM; NINGUÉM TÃO POBRE QUE SE TENHA DE VENDER A ALGUÉM”. (J-J.Roussaeu)

A filosofia absolutista e clássica não reconhecia ainda que as sociedades crescem e vivem também como as plantas, segundo as sementes, os climas, os ares que respiram e as águas que as regam.            (Oliveira Martins- História de Portugal – A Anarquia Espontânea; pág. 351)


Eu acrescentaria que o seu desenvolvimento saudável (para lá dos caprichos ambientais) depende ainda do cuidado do semeador ou do hortelão que lhe acompanha os ciclos de vida, amparando-as e adubando-as conforme as carências detectadas. Na falta de um cuidador, podem ser aniquiladas pela invasão das ervas daninhas, devassadas pelos predadores, destruídas pelas intempéries.
Às sociedades, querendo-as saudáveis, há que acompanhá-las segundo os ideais que ao longo da história e da filosofia, foram definidos como valorizadores e proveitosos.
As árvores se não forem cuidadas, acabam por embravecer, definham, deixam por vezes de dar fruto. Para que frutifiquem, o agricultor tem de podar sempre que necessário os ramos doentes e os que sobem demasiado privando os outros dos benefícios da luz. Arejada com a intervenção do seu cuidador, a árvore recupera a saúde liberta de moléstias e parasitas, desenvolvendo as condições para que todos os ramos beneficiem das brisas, da luz e do calor do sol. Assim deveriam as sociedades dispor de organismos adequados, para permitirem que a todos os cidadãos chegue por igual a cultura, a inteligência e os ideais, para poderem todos eles frutificar livres de piolhos e outros parasitas, para benefício de todos.
Refiro-me, quando falo de sociedade, àquela que é constituída por todos os cidadãos sem excepção, iguais nos direitos, deveres e oportunidades, tal como em botânica os diferentes ramos, apesar de diferentes pela sua especialidade têm o mesmo valor, contribuindo com a especialidade de cada um para o mesmo fim.
Esta questão esbarra na diversidade de considerações do que é “a Sociedade”. O conceito não é igual para todos os cidadãos, e tal como não foi sempre o que é hoje, acontece que alguns, privilegiados, reclamam a sociedade como o grupo a que pertencem, detentor de poderes muitas vezes relativos. É um anacronismo que se arrasta ao longo de milénios. Na Grécia Antiga, mãe da Democracia só alguns detinham o estatuto de cidadãos. Do espaço democrático, ficavam de fora artesãos, comerciante, estrangeiros e escravos.
Para estes, a democracia era algo circunscrito àqueles poderosos senhores que rivalizavam com os deuses, e a quem apesar de tudo devemos extraordinárias conquistas na filosofia, na arte, no conhecimento.
Esse entendimento histórico manteve manietada até à revolução francesa e ignorada, uma imensa massa de seres humanos que não eram reconhecidos como tal, excluídos de quaisquer direitos, permanecendo até aí, propriedade absoluta dos senhores feudais, e de reis para quem o país não era outra coisa senão uma imensa coutada.
A generalidade dos historiadores, sempre que fez referência ao poder dos Estados, (reinos e impérios), tinha como referentes as classes dirigentes: acções militares, políticas, intrigas… ou, quando culturais, era só como uma moldura para a sua própria grandeza.
Omitiam a incomensurável quantidade de escravos e equiparados, utilizados na edificação de monumentos que agora nos assombram pela sua grandeza, como “obras da Humanidade”. Registavam o nome dos mandantes, omitindo a desumanidade imposta a milhares e milhões a quem saqueavam para acumular os tesouros para as edificações, e àqueles que ficaram estropiados ou que pereceram em acidentes de trabalho, ou ainda aos executados quando tentavam fugir ao cruel jugo que lhes era imposto.
O povo, concretamente aqueles que estiveram na origem das fabulosas riquezas, viveu sempre a condenação de emprestar sem retorno o seu engenho, o esforço e a vida, àqueles que o dominavam.
Está muito longe ainda o surgimento de uma verdadeira democracia, aquela onde não seja possível a qualquer ser humano enriquecer à custa do seu semelhante, onde não possam existir piolhos e sanguessugas, além daquelas que surgiram no processo da evolução.
Uma democracia verdadeira só será possível quando as nações impuserem aos seus governos a prioridade na educação. Auto-sustentação e Educação. Os países como as pessoas, só são verdadeiramente independentes quando forem capazes de produzir pelo menos, duas terças partes daquilo que necessitam.
Mesmo a ciência necessária para instalar um sistema de auto sustentação, só será obtida por objectivos definidos no quadro de uma educação libertadora. Libertadora enquanto esclarecedora da condição humana, das estruturas sociais, da razão de ser do Estado, da indignidade da exploração, e da ascendência de classes sobre outras desprovidas de poder.
Afinal o poder, só tem servido para eternizar a exploração de umas nações pelas outras, e a dos povos que sustentam os seus governantes.
Dizia Jean-Jaques Rousseau – “UMA SOCIEDADE SÓ É DEMOCRÁTICA QUANDO NINGUEM FOR TÃO RICO QUE POSSA COMPRAR ALGUÉM; NINGUÉM TÃO POBRE QUE SE TENHA DE VENDER A ALGUÉM”.
É o velho paradigma da sociedade sem classes? Sem dúvida que essa mesma, se o entendermos em termos de finanças. O conceito de classe sofre da interpretação que lhe atribui “quantidade”.
Consideremos, de outro modo, que “classe” é uma definição qualitativa. E que essa qualidade é referente a valores associados à criatividade e capacidade de criação de riqueza, à elevação cultural do seu semelhante, ao respeito pelas diferenças dos outros, à equidade, à solidariedade, e a todos os valores que sendo comuns às filosofias (religiões incluídas), são condição para a dignidade do Homem. As classes seriam tanto mais elevadas quanto a sua aplicação concreta e universal de uma moral, tão próxima quanto possível do Amor.
Assim, o conceito de classe nunca poderia ser entendido como um nivelamento “por baixo”, o que seria a negação do projecto de civilização universal, que hipocritamente dizem defender, alguns dos que eternizam a ascendência financeira e económica sobre terceiros.
Sabem que a emancipação económica dos explorados, corresponderia a uma barragem, graças á qual, com ciência e tecnologia, o rio que alimentava exclusivamente as estreitas faixas junto ao leito, passaria a levar vida aos desertos, disseminando-a.
Nivelar por cima deve ser o objectivo: Com inteligência, com ética, com solidariedade, pela criação de um novo sentido de responsabilidade do cidadão face à sociedade, à política e aos governos, ao meio ambiente e à própria existência em geral.
É isso em resumo, o que deveria produzir um processo educativo.
A triste realidade é que os governos dos Estados que compartilham o Planeta, não estão minimamente interessados na emancipação dos respectivos cidadãos; em primeiro lugar porque receiam ser apeados das suas criminosas fortunas e mordomias, e em segundo, porque isso retiraria aos povos a paciência (que é uma alegada virtude), a passividade (tão conveniente) e a aceitação do “destino” que lhes foi prescrito alegadamente por Deus, (essa metáfora de extrema utilidade que, sempre legitimou reis e imperadores).
O status quo, o povo amansado, submisso, sem ideais nem ideias, desorientado face à exploração que sobre si cai, aceitando sem reagir o pagamento de dívidas alheias, enteado de uma justiça a quem um dia vendaram os olhos, é o que interessa aos novos governantes (pela mesma “graça de Deus”, embora por decoro (?) já não a invoquem).
Como libertarmo-nos deste jugo?  
Como deveremos reclamar uma verdadeira justiça, o respeito e a dignidade que nos é devida? Qual o exercício que nos falta?
Cada um de nós só por si nunca o poderá conseguir, pese embora que no nosso íntimo, em sonho, em pensamentos solitários, no desabafo com amigos, em emails derramados pela internet, cresça o sentimento de tal necessidade.
Parece que ainda estamos todos à espera de D. Sebastião, na verdade um néscio, imaturo como um pero verde, marioneta de uma nobreza sequiosa de saque e de poder. É esta espera alimentada há mais de quatro séculos, que leva a que um povo manhoso esperançado nos favores de quem pode, na paz podre que lhe abafa a vida e o leva a votar colocando no Poder mistificadores pródigos em promessa, que sabem não poder cumprir, amigos e protectores de ladrões e de vigaristas; povo irresponsável feito de gentalha que se alimenta pelas orelhas, para de seguida se insurgir “respeitosamente”. E voltar a manifestar-se indignado, uma, duas, trinta vezes, sem nada conseguir contra a arrogância dos “donos da sociedade”.
Pacatez e submissão que lhe penetrou até aos ossos instalando-se no ADN, tal foi a eficácia duradoura do jesuitismo em Portugal.
Pombal pôs fim à Companhia de Jesus, mas não foi capaz de apagar a profunda pegada com que calcou a liberdade de pensamento, a expressão da vontade, esmagando ainda em semente a planta da revolta. A doutrina daqueles visava criar um Estado apoiado na “paz social”, tão cara aos que governam o nosso país nos dias de hoje. Personificavam num só, o Estado e a Companhia, exercendo um poder absoluto sobre um povo excluído, acomodado e autómato, massa escravizada sobre quem assentaria o almejado “Quinto Império”.
Os jesuítas foram-se enquanto organização poderosa que manobrava nos bastidores fazendo coroar reis seus mandatários, e eliminando na fogueira, todos de quem suspeitassem oposição aos seus desígnios.
Se os homens que agora governam este país forem minimamente instruídos e conhecedores de meia dúzia de factos históricos, como devem estar reconhecidos à extinta escola jesuíta, sobre cuja paisagem desertificada da razão, constroem as suas auto estradas e novos empórios com que alguns, poucos, constroem os seus próprios quintos impérios. 
E o povo, fora os banquetes de futebol qual novel circo romano onde não há pão, fora as peregrinações a Fátima, que movimentos de massas protagoniza para mostrar a sua força potencial (ainda contida)?
Tal como no futebol em que sessenta mil no estádio e um milhão fora dele se extasiam e orgulham com o trabalho de vinte e dois homens em campo, sem partilharem o seu esforço, o povo, passada a euforia das eleições esquece o fervor partidário do momento, para ir encher as praças e avenidas em protestos, a reclamar justiça, a exigir que os “ladrões!” dêem os lugares a outros, sempre no regime de alternância estéril, como paradigma que não consegue libertar-se dos dois pratos da balança, que a convenientemente cega justiça, exibe.
Diferentemente do entusiasmo cómodo com que nestes temos se manifesta no futebol, o povo de Portugal saiu a terreiro três vezes na história do país.
Primeira, na crise de 1383 quando o povo tomou partido activamente contra a perda da independência, influenciando os destinos do país no apoio ao Mestre de Avis.
Quase seiscentos anos depois aderiu, reforçando com o seu apoio activo a implantação da República, porque pela primeira vez na história, contra o poder da Monarquia e da Igreja, o poder político se mostrava tão próximo dos seus anseios; seguindo os ideais de homens cultos, inspirados na revolução francesa, e fermentados na fugaz revolução liberal de 1820, geradora ainda assim, de liberdade de pensamento e de palavra, do direito a uma certa e ainda tímida consciência cívica e consolidada com a reforma de Mouzinho em 1834.
No 25 de Abril o povo voltou a acorrer em massa, a apoiar o golpe que depôs uma ditadura defensora de valores anacrónicos, de cariz obscurantista e opressora ao estilo jesuíta dos séc. XVII e XVIII. Os revolucionários actuaram afirmando a sua condição de “filhos do Povo” após o que, entregando os destinos do país ao Povo Soberano, sessaram aí a generosa intervenção daquele grupo de militares. Quebradas as grilhetas e expulsos os algozes, a Liberdade escorreu como água de uma imensa albufeira que o fascismo barrava, contrariando a dinâmica da natureza.
Na sombra contudo, silenciosa, ou mascarando-se de democrata e por vezes de revolucionária, uma “nomenclatura” de séculos esperou que a fadiga atingisse o povo devido à lentidão das mudanças, e lhe sobreviesse o adormecimento. Na ausência de alertas, e porque a democracia comporta nos seus genes o mal que a fará definhar, “batedores”, “pontas de lança” e “testas de ferro”, têm vindo a ocupar lugares e cargos decisivos, cabendo a uma análise histórica só possível com a distância temporal, se a sua acção significa incompetência, oportunismo, trabalho de sapa, ou todos em simultâneo, para que novos poderes, capitalistas dignos descendentes da escola jesuíta, passem a governar, não só Portugal mas o Mundo, em conluio com outros estados que, com filosofias políticas diferentes mas assentes na ignorância e impotência das sua populações, e numa criminosa acumulação de riquezas, promovem o poderio militar a uma escala nunca vista. Todos envolvidos no xadrez, onde se joga o poder hegemónico sobre a Humanidade.

St Annes On The Sea
06OUT2012
Fernando Fonseca

*Escultor - Professor dos 2º e 3º ciclos (aposentado)


quinta-feira, 2 de abril de 2020

BELO É O POUCO DO TEU CORPO


BELO É O POUCO DO TEU CORPO




Belo
é o pouco do teu corpo
onde aberta,
pouso a palma da minha mão

Mais belo
é o lugar ao lado
onde ela,
vadia insatisfeita,
se aconchega.

Numa viagem exploratória
todos as estações
parecem mais cálidas
e acolhedoras
que as anteriores.

Completo o ciclo
no périplo do amor;
e no lugar de início,
descubro enfim,
que dos outros
onde pousou
sendo-o,
nenhum foi mais belo
que o primeiro.

No todo está a Beleza.


BELA É A GOTA DE ORVALHO



BELA É A GOTA DE ORVALHO

Foi-se o sol
para lá do azinhal.
Tons de morango em suave azul
e fímbrias de oiro e púrpura
brindam com trombetas
nesta alegoria
ao limiar entre o astro e o desejo.

Quando a planície adormecer;
quando a suave amante desdobrar seu véu
e os noitibós pousarem nos caminhos;
quando as estrelas
quais sonhos,
escorrerem da imensa cornucópia,
vou sentir o mistério
da sua envolvência
maior,
muito maior
que a existência,
e extasiar os sentidos
sentindo-me prenhe
de pensamentos belos.

Depois…
quero vê-los pousar
como gotas de orvalho
nas copas do montado,
para que o sol
ao levantar
possa vê-los,
beijá-los,
e neles se mirar.



ERA UMA VEZ UM MÁGICO





ERA UMA VEZ UM MÁGICO


Havia um mundo
e nesse mundo havia um mágico.

Um mágico que fazia
com o pensamento
tudo o que queria.

Mas o trágico da questão,
é que o mágico ansiava ter
o Universo na palma da sua mão

E vaidoso como era,
quis fazer de todo o ano
eterna Primavera.

E tanto magicou
tanto explorou
e sugou,
que o mundo em crise
depressa se esgotou.

E o mágico acabou.

                                                                                                                                                Fernando Fonseca
In “Terra Mágica nº 1”
Maio de 1984



À ESQUINA DO MUNDO


A ESQUINA DO MUNDO


Atrás da esquina espreita o papão,
brinca  o menino,
se esconde o ladrão.

À esquina do tempo
se encontra o passado,
se vive a cidade,
se descobre o futuro.

Ai de quem não vai à esquina do mundo;
não vê,
não cresce
nem floresce.
A cada flor corresponde um fruto.

Ai de quem não vai a esquina da alma;
não se descobre
não se conhece.

Ai de quem não vai a esquina do pensamento;
não se entende
nem compreende
a cidade.
Não floresce,
muito menos frutece.
Só,
permanece.

A semente não brota.
A árvore não cresce.
A floresta envelhece,
Tudo fenece
do lado de cá da esquina do mundo



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05abr2014-04h45