domingo, 21 de novembro de 2010

Rio Tua - Uma questão de paradigma

PARE ESCUTE E OLHE - O FILME

DOCUMENTÁRIO

DE JORGE PELICANO



Conhecer o vale do TUA fazendo o percurso de comboio e ver depois o filme de Jorge Pelicano é redescobrir com mais-valia um lugar de extrema beleza deste nosso país.
Deve-se esta mais valia a que ao contrário de uma apreensão contínua e rápida que não se compadece com uma demora do olhar sobre aspectos que se oferecem a melhor apreciação, o filme é constituído por situações e imagens seleccionadas, colhidas com a demora necessária, articuladas com sensibilidade e projecto.
Por um lado, a extrema e rude beleza dos trechos do rio nuns casos, de plena tranquilidade dos entardeceres espelhados noutros, das panorâmicas altaneiras ou do aparente voo de águia proporcionado da janela da carruagem sobre as águas revoltas.
Por outro lado, o testemunho vivo sentido e sofrido, da geração que resta naquele rincão, e em contraponto as declarações de políticos e dos autarcas que alcandorados ao poder local em nome das populações, se travestem de correias de transmissão dos agentes governamentais.
A obra, deixa a marca de um povo e de um país maltratado e desprezado, por aqueles que supostamente deveriam proteger um e outro, em nome de projectos exógenos.
O visionamento do filme não deixa que ninguém com um mínimo de princípios de cidadania fique indiferente. Impõe-se um desejo de solidariedade com um processo de defesa do património natural e humano. Essa a origem deste escrito.
Fazê-lo é dar continuidade a um trabalho meritório e exemplificador daquilo que cada um de nós deveria ser capaz de fazer por situações que emergem em tantos lugares da nossa Terra. Sermos capazes de impedir o descalabro que acontece permanentemente, por acção de tecnocratas que vestidos de políticos e à boleia do voto, tomaram de assalto os destinos de Portugal.
Vivemos como todo o mundo, uma época de crise. Económica, dizem. Mas esse, é um mero aspecto ainda que de não somenos importância, resultante de crises mais profundas, a começar por crise das consciências e da ética, massificados que estamos e parece que lamentavelmente de modo irremediável, pela ilusão de " Progresso a todo o custo".
Têm andado a convencer-nos de que progresso, é sinónimo de riqueza e portador de felicidade. Aliás, no filme aparece um professor universitário de Saragoça, que desmonta com toda a clareza das palavras simples, a ilusão de "progresso".
No nosso país, para alem da crise de consciências que é uma questão educativa, e de ausência de práticas consequentes no quotidiano, temos uma crise que determina todas as outras formas, e hipoteca o nosso futuro. Temos uma crise de Políticos numa perspectiva de Nação, um conceito ambientalista de auto sustentação. Não temos Homens de Estado.
Os políticos a quem a inércia da massa eleitoral mais ou menos acomodada e receosa de mudanças significativas elevou ao poder, facilmente se deixam inebriar pelas aparências, pela simulação de riqueza, e promovem uma verdadeira fuga para a frente no que se refere às verdadeiras possibilidades do país. Querem à viva força ficar na fotografia da comunidade internacional, concretamente a europeia, como porta de entrada para a "História". Seduzidos pelo esplendor, parecem ignorar que todos esses esplendores não são mais do que fogos-fátuos, areias movediças, cenários que ocultam dívidas astronómicas.
E o Povo sente-se bem, assim iludido. Tudo é bom enquanto dura. Quem vier atrás que feche a porta, e os netos que paguem a grande crise, quando os credores vierem cobrar.
Esta ideia global de progresso tem estado presente na construção desenfreada em terrenos férteis, permitindo a especulação, nesta era das iluminações esplendorosas que ofuscam misérias, nos festivais de fogos de artifício que celebram o vazio dos finais de ano, em megaproduções efémeras que não produzem riqueza comum, em diversas manifestações do nosso riquismo como o foram há cerca de quarenta anos as florestas de antenas de TV, nos telhados do país a desfigurar as paisagens urbanas, como agora, os geradores eólicos desfiguram o rosto da paisagem natural, sacrificada à cornucópia energética.
Mais energia! Mais energia! “Mais limpa” – Dizem eles.
Mais energia é outra falácia. É ainda a fuga para a frente, aquela que, para um pensamento acrítico, conduz à salvação. Fazem-me lembrar a tendência que eu procurava contrariar nos meus alunos, que era a satisfação do projecto único. Para estes, isentos de responsabilidade pessoal, é-lhes mais fácil do que procurar alternativas a projectos que se realizam no prazo de uma ou duas legislaturas, mas não resolve a questão fundamental; O redimensionamento da relação do Homem com o Planeta.
 - Agora só falta aqui o cimento. - Dizia Sócrates na visita às obras da barragem do Sabor, no que foi secundado por A. Mexia: - Está quase, Eh!, Eh!, Eh!
No antigo Egipto, quando um Faraó recentemente entronizado queria anular a importância de outro precedente, mandava apagar todos os vestígios do seu nome inscritos na pedra dos templos.
Os templos são agora de outro género e os pretensos faraós à beira mar plantados, constroem muralhas de betão cientes de que ninguém os vai dali remover. E entrelaçam os dedos sobre o abdómen inchado recostados em chorudas reformas e prémios e nas compensações em caso de demissão que por motivos de falta de confiança política venha a acontecer.
Assim surge o projecto da barragem do Tua.
Um cidadão que se tornou autarca defendendo as populações que o elegeu, é agora defensor das empresas de construção e do governo, assegurando que as populações não querem o comboio para nada. Provavelmente, aqueles cidadãos que vimos testemunhar no documentário, nunca foram recebidos pelo senhor presidente da câmara.
Um jovem (autarca?) não quer, que o comboio e a beleza ímpar do Tua, sejam entrave ao progresso da sua região.
Mas em que se traduz e como se manifesta esse ovo no cu da galinha? Que valia lhe oferecem, alem de um extenso lençol de água retida no paredão? Não percebe que serão os devoradores de electricidade os únicos beneficiários, e que esses se encontram numa muito bem identificada faixa do território?
Não se apercebe que sacrifica um elemento de extraordinária beleza a interesses económicos forasteiros, e que a única grande consequência é o êxodo dos que, por um grande amor à terra mãe, se recusam a abandoná-la?
Fazer troca irreversível da beleza por vil metal, se fosse do próprio, poder-se-ia chamar prostituição; Tratando-se da beleza de outrem, não será proxenetismo?
E que dizer de um ministro do Ambiente que declara na Assembleia da República, que o Ambiente não pode servir de entrave ao progresso económico? Estaria de férias naquele dia, o ministro da Economia?
Os rios são belas imagens de uma vida. De vida plena de generosidade e talvez por isso, imortais. Nascem, mas não morrem.
Desde que nascem, ao longo de todo o percurso seja tranquilo como o Guadiana ou turbulento como o Tua, são dádivas de vida, são parábolas que bem poderiam servir de paradigma para cada um de nós e para o colectivo.
Humanos, entre uma infinidade de seres vivos que dependem dos rios, vamos ali buscar alimento; No interior das suas aguas, ou nos hortejos marginais.
As águas, embalam aqueles que têm disponibilidade para usufruir da paz das suas margens.
Os homens que os rios alimentam são, no seu modo de vida, uma extensão do mesmo rio. Respeitam os seus rios, deixam-nos prosseguir livremente o seu destino, engrossar outros rios, oferecendo lugares de lazer a outras gentes a jusante, até que eles se transfigurem em algo maior e grandioso, como quem regressa à essência primordial cumprindo um ciclo.
Só por má fé ou incompetência, as autoridades turísticas não disponibilizam informação sobre uma linha classificada de turística, como se coniventes com um programa de apagamento do vale do Tua, boicotando a afluência de pessoas que pudessem, testemunhando aquela beleza, lutar pela sua salvaguarda.
Na Suíça, estenderam-se linhas férreas em locais de acesso muitíssimo mais difícil, com sistemas de tracção especiais, para que os turistas pudessem usufruir da beleza do seu país e nele ter orgulho acrescido.
Aqui, aniquilam-se belos valores naturais que bem poderiam alimentar o nosso orgulho e amor ao país.
E se fosse criado na região do Tua um grande projecto turístico acessível a todos? Modernizava-se a linha, reactivavam-se as estações cada vez mais deterioradas transformando-as em pólos de apoio turístico. Instalavam-se pontos de apoio ao longo da linha de água para os desportos fluviais cada vez com mais praticantes. Criavam-se percursos pedestres panorâmicos, gastronómicos e culturais.
Escoavam-se os produtos agrícolas directamente ao consumidor.
Acarinhavam-se as gentes.
Promovam-se propostas de desenvolvimento sustentado nas aldeias, e nas escolas como parte do projecto educativo regional.
Fomentem um espírito de Amor ao Tua.
Lembrem aos autarcas, que são representantes das populações e não cônsules do poder central.
Se o fizerem, terão alternativas muito mais proveitosas do que uma mera barragem.
E aos devoradores de electricidade, estimulem-nos a poupar, lembrando-lhes que não são tão ricos como parecem pensar, e que o que temos é-nos cedido a título de empréstimo, até que um dia queiram os credores cobrar em espécie, porque dinheiro não temos, nem nunca mais teremos.
Reduzam para metade a iluminação pública das cidades deste país, e teremos um benefício superior a duas barragens, sem dispêndio de um único euro.
Amemos o nosso país pelo que ainda tem de belo e não pela falsa aparência de riqueza que nos exibem.
Este é o contributo que me impôs o filme PARE ESCUTE E OLHE.

 


Fernando Fonseca
Lisboa 11ABR 2010