sábado, 1 de dezembro de 2012

AS ALTURAS


AS ALTURAS

 

 

É como as pessoas da Ribeira chamam ainda hoje ao planalto aonde chega aquele plano inclinado que sobe não subindo, desde a beira-mar até à Relva Grande, Moinho do Loução e Vale de Águia da Serra.

Daí se vislumbram telhados, hortas e os alinhamentos sinuosos de freixos e amieiros, desde a Foz da Perna Seca, pela Ribeira de Odeceixe até ao Selão. Paisagem emoldurada pela Fóia pintada de um ligeiro azul cinza aparentemente eterno.

Quando, pela azinhaga das Quintas passava ao Mar Alto, continuando por aquela planura toda, Moinho da Moita acima, Monte do Portela até ao moinho da Relva Grande verdadeiro marco paisagístico e caminheiro, chegado ali, lembrava-me sempre da gente da Ribeira dizendo: - Além nas alturas…

A partir dali, enquanto caminhava atrás do “Santinho”, o meu espírito parava na contemplação da serra, que pregueava a paisagem negra dos estevais matizada nos corgos pelo esverdeado dos medronheiros. E atirava-me no vazio, voando por sobre as Entre-águas, Cerro do Gato, Taipas, até à Foz de Joana Mendes e ladeira das sete envoltas, numa evasão imaterial, gozando antecipadamente as sombras tão convidativas da ribeira e a frescura cantante da água brincando no cascalho. E cantava aquela cantiga que o pai nos tinha ensinado:

 

 - Água clara da corrente

   que vais tu a lamentar?

   São murmúrios da nascente.

   Ou pressas de ir ter ao mar?

 

A canção, que mais tarde soube ser, um poema de Afonso Lopes Vieira, traduzia tão bem, a alma daquela ribeira que eu aprendi a amar desde menino.

 

           - Lava a roupa à lavadeira,

põe a azenha a trabalhar;

nunca pára no caminho

com pressa de ir ter ao mar.

 

E mergulhava o espírito naquela tela viva, cenário de tantos momentos da minha pré-adolescência, emoldurada à esquerda pela Serra dos Algares, princípio da cordilheira que se estende pela Brejeira adiante, até onde o sol nasce; à direita, pelas duas maminhas da Serra de Marmelete e pelas alturas do Rogil a descambar para Aljezur.

E pairava demoradamente, em toda a leveza do meu ser sobre os corgos, seguindo deliciosamente nas suas voltas e envoltas, as pontas dos amieiros até à Ribeira da Perna da Negra, para seguir,

 

- Correndo, correndo

  Sem nunca parar,

  Em busca do rio

  a caminho do mar.

 

Sonho muito frequentemente que voo. Umas vezes, como se fosse um pássaro; outras, em corpo e alma numa plenitude sensorial.

Chego a pensar, que os meus primeiros voos foram ensaiados sobre esta serra, enquanto caminhava atrás do burrinho, os pés nus, na poeira ocre do caminho.

 

04DEZ85

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