SOCIEDADE – uma questão
de educação
– “UMA SOCIEDADE SÓ É DEMOCRÁTICA QUANDO NINGUEM FOR TÃO RICO QUE POSSA
COMPRAR ALGUÉM; NINGUÉM TÃO POBRE QUE SE TENHA DE VENDER A ALGUÉM”. (J-J.Roussaeu)
A filosofia absolutista
e clássica não reconhecia ainda que as sociedades crescem e vivem também como
as plantas, segundo as sementes, os climas, os ares que respiram e as águas que
as regam. (Oliveira Martins- História
de Portugal – A Anarquia Espontânea; pág. 351)
Eu acrescentaria que o seu desenvolvimento saudável (para lá
dos caprichos ambientais) depende ainda do cuidado do semeador ou do hortelão
que lhe acompanha os ciclos de vida, amparando-as e adubando-as conforme as
carências detectadas. Na falta de um cuidador, podem ser aniquiladas pela
invasão das ervas daninhas, devassadas pelos predadores, destruídas pelas
intempéries.
Às sociedades, querendo-as saudáveis, há que acompanhá-las
segundo os ideais que ao longo da história e da filosofia, foram definidos como
valorizadores e proveitosos.
As árvores se não forem cuidadas, acabam por embravecer,
definham, deixam por vezes de dar fruto. Para que frutifiquem, o agricultor tem
de podar sempre que necessário os ramos doentes e os que sobem demasiado
privando os outros dos benefícios da luz. Arejada com a intervenção do seu
cuidador, a árvore recupera a saúde liberta de moléstias e parasitas,
desenvolvendo as condições para que todos os ramos beneficiem das brisas, da
luz e do calor do sol. Assim deveriam as sociedades dispor de organismos
adequados, para permitirem que a todos os cidadãos chegue por igual a cultura,
a inteligência e os ideais, para poderem todos eles frutificar livres de
piolhos e outros parasitas, para benefício de todos.
Refiro-me, quando falo de sociedade, àquela que é constituída
por todos os cidadãos sem excepção, iguais nos direitos, deveres e oportunidades,
tal como em botânica os diferentes ramos, apesar de diferentes pela sua
especialidade têm o mesmo valor, contribuindo com a especialidade de cada um para
o mesmo fim.
Esta questão esbarra na diversidade de considerações do que é
“a Sociedade”. O conceito não é igual para todos os cidadãos, e tal como não
foi sempre o que é hoje, acontece que alguns, privilegiados, reclamam a
sociedade como o grupo a que pertencem, detentor de poderes muitas vezes relativos.
É um anacronismo que se arrasta ao longo de milénios. Na Grécia Antiga, mãe da
Democracia só alguns detinham o estatuto de cidadãos. Do espaço democrático,
ficavam de fora artesãos, comerciante, estrangeiros e escravos.
Para estes, a democracia era algo circunscrito àqueles
poderosos senhores que rivalizavam com os deuses, e a quem apesar de tudo
devemos extraordinárias conquistas na filosofia, na arte, no conhecimento.
Esse entendimento histórico manteve manietada até à revolução
francesa e ignorada, uma imensa massa de seres humanos que não eram reconhecidos
como tal, excluídos de quaisquer direitos, permanecendo até aí, propriedade
absoluta dos senhores feudais, e de reis para quem o país não era outra coisa
senão uma imensa coutada.
A generalidade dos historiadores, sempre que fez referência
ao poder dos Estados, (reinos e impérios), tinha como referentes as classes
dirigentes: acções militares, políticas, intrigas… ou, quando culturais, era só
como uma moldura para a sua própria grandeza.
Omitiam a incomensurável quantidade de escravos e equiparados,
utilizados na edificação de monumentos que agora nos assombram pela sua grandeza,
como “obras da Humanidade”. Registavam o nome dos mandantes, omitindo a
desumanidade imposta a milhares e milhões a quem saqueavam para acumular os
tesouros para as edificações, e àqueles que ficaram estropiados ou que
pereceram em acidentes de trabalho, ou ainda aos executados quando tentavam
fugir ao cruel jugo que lhes era imposto.
O povo, concretamente aqueles que estiveram na origem das
fabulosas riquezas, viveu sempre a condenação de emprestar sem retorno o seu
engenho, o esforço e a vida, àqueles que o dominavam.
Está muito longe ainda o surgimento de uma verdadeira
democracia, aquela onde não seja possível a qualquer ser humano enriquecer à
custa do seu semelhante, onde não possam existir piolhos e sanguessugas, além
daquelas que surgiram no processo da evolução.
Uma democracia verdadeira só será possível quando as nações
impuserem aos seus governos a prioridade na educação. Auto-sustentação e
Educação. Os países como as pessoas, só são verdadeiramente independentes
quando forem capazes de produzir pelo menos, duas terças partes daquilo que
necessitam.
Mesmo a ciência necessária para instalar um sistema de auto
sustentação, só será obtida por objectivos definidos no quadro de uma educação
libertadora. Libertadora enquanto esclarecedora da condição humana, das
estruturas sociais, da razão de ser do Estado, da indignidade da exploração, e
da ascendência de classes sobre outras desprovidas de poder.
Afinal o poder, só tem servido para eternizar a exploração de
umas nações pelas outras, e a dos povos que sustentam os seus governantes.
Dizia Jean-Jaques Rousseau – “UMA SOCIEDADE SÓ É DEMOCRÁTICA QUANDO NINGUEM FOR TÃO RICO
QUE POSSA COMPRAR ALGUÉM; NINGUÉM TÃO POBRE QUE SE TENHA DE VENDER A ALGUÉM”.
É o velho paradigma da sociedade sem classes? Sem dúvida que
essa mesma, se o entendermos em termos de finanças. O conceito de classe sofre
da interpretação que lhe atribui “quantidade”.
Consideremos, de outro modo, que “classe” é uma definição
qualitativa. E que essa qualidade é referente a valores associados à criatividade
e capacidade de criação de riqueza, à elevação cultural do seu semelhante, ao respeito
pelas diferenças dos outros, à equidade, à solidariedade, e a todos os valores
que sendo comuns às filosofias (religiões incluídas), são condição para a
dignidade do Homem. As classes seriam tanto mais elevadas quanto a sua aplicação
concreta e universal de uma moral, tão próxima quanto possível do Amor.
Assim, o conceito de classe nunca poderia ser entendido como
um nivelamento “por baixo”, o que seria a negação do projecto de civilização
universal, que hipocritamente dizem defender, alguns dos que eternizam a
ascendência financeira e económica sobre terceiros.
Sabem que a emancipação económica dos explorados,
corresponderia a uma barragem, graças á qual, com ciência e tecnologia, o rio
que alimentava exclusivamente as estreitas faixas junto ao leito, passaria a
levar vida aos desertos, disseminando-a.
Nivelar por cima deve ser o objectivo: Com inteligência, com
ética, com solidariedade, pela criação de um novo sentido de responsabilidade
do cidadão face à sociedade, à política e aos governos, ao meio ambiente e à
própria existência em geral.
É isso em resumo, o que deveria produzir um processo
educativo.
A triste realidade é que os governos dos Estados que
compartilham o Planeta, não estão minimamente interessados na emancipação dos
respectivos cidadãos; em primeiro lugar porque receiam ser apeados das suas
criminosas fortunas e mordomias, e em segundo, porque isso retiraria aos povos
a paciência (que é uma alegada virtude), a passividade (tão conveniente) e a
aceitação do “destino” que lhes foi prescrito alegadamente por Deus, (essa
metáfora de extrema utilidade que, sempre legitimou reis e imperadores).
O status quo, o
povo amansado, submisso, sem ideais nem ideias, desorientado face à exploração
que sobre si cai, aceitando sem reagir o pagamento de dívidas alheias, enteado
de uma justiça a quem um dia vendaram os olhos, é o que interessa aos novos
governantes (pela mesma “graça de Deus”, embora por decoro (?) já não a
invoquem).
Como libertarmo-nos deste jugo?
Como deveremos reclamar uma verdadeira justiça, o respeito e
a dignidade que nos é devida? Qual o exercício que nos falta?
Cada um de nós só por si nunca o poderá conseguir, pese
embora que no nosso íntimo, em sonho, em pensamentos solitários, no desabafo
com amigos, em emails derramados pela
internet, cresça o sentimento de tal necessidade.
Parece que ainda estamos todos à espera de D. Sebastião, na
verdade um néscio, imaturo como um pero verde, marioneta de uma nobreza
sequiosa de saque e de poder. É esta espera alimentada há mais de quatro
séculos, que leva a que um povo manhoso esperançado nos favores de quem pode, na
paz podre que lhe abafa a vida e o leva a votar colocando no Poder
mistificadores pródigos em promessa, que sabem não poder cumprir, amigos e
protectores de ladrões e de vigaristas; povo irresponsável feito de gentalha
que se alimenta pelas orelhas, para de seguida se insurgir “respeitosamente”. E
voltar a manifestar-se indignado, uma, duas, trinta vezes, sem nada conseguir
contra a arrogância dos “donos da sociedade”.
Pacatez e submissão que lhe penetrou até aos ossos
instalando-se no ADN, tal foi a eficácia duradoura do jesuitismo em Portugal.
Pombal pôs fim à Companhia de Jesus, mas não foi capaz de
apagar a profunda pegada com que calcou a liberdade de pensamento, a expressão
da vontade, esmagando ainda em semente a planta da revolta. A doutrina daqueles
visava criar um Estado apoiado na “paz social”, tão cara aos que governam o
nosso país nos dias de hoje. Personificavam num só, o Estado e a Companhia,
exercendo um poder absoluto sobre um povo excluído, acomodado e autómato, massa
escravizada sobre quem assentaria o almejado “Quinto Império”.
Os jesuítas foram-se enquanto organização poderosa que
manobrava nos bastidores fazendo coroar reis seus mandatários, e eliminando na
fogueira, todos de quem suspeitassem oposição aos seus desígnios.
Se os homens que agora governam este país forem minimamente
instruídos e conhecedores de meia dúzia de factos históricos, como devem estar
reconhecidos à extinta escola jesuíta, sobre cuja paisagem desertificada da
razão, constroem as suas auto estradas e novos empórios com que alguns, poucos,
constroem os seus próprios quintos impérios.
E o povo, fora os banquetes de futebol qual novel circo
romano onde não há pão, fora as peregrinações a Fátima, que movimentos de
massas protagoniza para mostrar a sua força potencial (ainda contida)?
Tal como no futebol em que sessenta mil no estádio e um
milhão fora dele se extasiam e orgulham com o trabalho de vinte e dois homens
em campo, sem partilharem o seu esforço, o povo, passada a euforia das eleições
esquece o fervor partidário do momento, para ir encher as praças e avenidas em
protestos, a reclamar justiça, a exigir que os “ladrões!” dêem os lugares a
outros, sempre no regime de alternância estéril, como paradigma que não
consegue libertar-se dos dois pratos da balança, que a convenientemente cega
justiça, exibe.
Diferentemente do entusiasmo cómodo com que nestes temos se
manifesta no futebol, o povo de Portugal saiu a terreiro três vezes na história
do país.
Primeira, na crise de 1383 quando o povo tomou partido
activamente contra a perda da independência, influenciando os destinos do país no
apoio ao Mestre de Avis.
Quase seiscentos anos depois aderiu, reforçando com o seu
apoio activo a implantação da República, porque pela primeira vez na história,
contra o poder da Monarquia e da Igreja, o poder político se mostrava tão
próximo dos seus anseios; seguindo os ideais de homens cultos, inspirados na
revolução francesa, e fermentados na fugaz revolução liberal de 1820, geradora
ainda assim, de liberdade de pensamento e de palavra, do direito a uma certa e
ainda tímida consciência cívica e consolidada com a reforma de Mouzinho em 1834.
No 25 de Abril o povo voltou a acorrer em massa, a apoiar o
golpe que depôs uma ditadura defensora de valores anacrónicos, de cariz
obscurantista e opressora ao estilo jesuíta dos séc. XVII e XVIII. Os
revolucionários actuaram afirmando a sua condição de “filhos do Povo” após o
que, entregando os destinos do país ao Povo Soberano, sessaram aí a generosa
intervenção daquele grupo de militares. Quebradas as grilhetas e expulsos os
algozes, a Liberdade escorreu como água de uma imensa albufeira que o fascismo
barrava, contrariando a dinâmica da natureza.
Na sombra contudo, silenciosa, ou mascarando-se de democrata
e por vezes de revolucionária, uma “nomenclatura” de séculos esperou que a
fadiga atingisse o povo devido à lentidão das mudanças, e lhe sobreviesse o
adormecimento. Na ausência de alertas, e porque a democracia comporta nos seus
genes o mal que a fará definhar, “batedores”, “pontas de lança” e “testas de
ferro”, têm vindo a ocupar lugares e cargos decisivos, cabendo a uma análise
histórica só possível com a distância temporal, se a sua acção significa
incompetência, oportunismo, trabalho de sapa, ou todos em simultâneo, para que
novos poderes, capitalistas dignos descendentes da escola jesuíta, passem a
governar, não só Portugal mas o Mundo, em conluio com outros estados que, com
filosofias políticas diferentes mas assentes na ignorância e impotência das sua
populações, e numa criminosa acumulação de riquezas, promovem o poderio militar
a uma escala nunca vista. Todos envolvidos no xadrez, onde se joga o poder
hegemónico sobre a Humanidade.
St Annes On
The Sea
06OUT2012
Fernando Fonseca
*Escultor - Professor
dos 2º e 3º ciclos (aposentado)
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