terça-feira, 22 de janeiro de 2019

MARIA RAINHA DOS ESCOCESES


MARIA RAINHA DOS ESCOCESES – O filme


Filme intenso, amoroso, brutal.
No ponto de vista estético e artístico é de ressalvar a elevada qualidade logo no início, da fotografia, mercê das condições climáticas das filmagens escolhidas, a mostrar uma Escócia fria e árida. (como, mais do que agora, teria sido no início do sec. XVI).
A névoa que desfoca a distância e até mesmo o sol, quando o há, não consegue atenuar a agrura das montanhas nem dos bosques.
O guarda roupa de luxo remete para a sobriedade do traje em preto integral, como nos reporta com uma veracidade notável a pintura dos mestres da época, com realce para Rembrandt. Já na corte de Isabel, os interiores contrastam com a sobriedade dos da Escócia, luminosos a lembrar o Kings College em Cambridge.
A representação inexcedivelmente convincente, faz-nos esquecer o cinema, colocando-nos frente a personagens reais, sobretudo quando fazem vir ao de cima as emoções com uma coerência que nos faz esquecer que estamos perante atrizes e actores com realce para Saorsie Ronan e Margot Robbie.
Os véus suspensos que coando a luz, num jogo que revela ao mesmo tempo que oculta, o encontro de duas personalidades que ansiando descobrir-se reciprocamente, receiam que esse mesmo conhecimento lhes enfraqueça perante a outra, o seu régio poder.
No ponto de vista histórico e ético, impede-nos de esquecer quanto os reis, presidentes ou simples ministros (excepto nas ditaduras e mesmo assim, questionável) não são na realidade tão poderosos. Em regra, acabam reféns de cortes que de facto detém o verdadeiro poder e para quem os titulares mais não são do que instrumentos para lhes legitimar as decisões, os golpes e as traições.
Denuncia como um Homem Bom, pode ser tão ingénuo ao ponto de trair, mesmo quando continua convencido que está a defender a pessoa que jurou proteger.
O quanto as monarquias “Deo Gratia” acreditam que é pela vontade de Deus que acedem à coroa com todos os condicionalismos e consequências daí derivados.
Sobrepondo-se a todas as outras “lições” a maneira clara como a religião por excelência, é um instrumento de primeira eficácia, tanto para conquistar o poder como para o manter, dando cobertura a manobras sombrias com recurso a decisões que revelam quanto de hipocrisia existe quando dizem defender princípios sagrados.
E como um religioso, radical e inflamado, com recurso a “fake news” manipula o povo levando-o a exigir a morte sem recurso de quem lhe dedicou, à sua maneira, a protecção devida.
Diferente de filmes anteriores, este revela uma nova personalidade de Isabel I que mantém o poder, porque é essa, tal como Maria o justifica, a vontade de Deus. E de um modo realista, (o trono tornou-me homem) conhecedora do poder que ostentam entre vénias os nobres da corte que em última análise a sustentam, não consegue todavia opor-se ao conluio dos seus conselheiros em defesa das suas convicções, e refugiando-se nas suas bricolages, como Pilatos numa ilusória isenção, entrega aos nobres (bem pouco nobres), a iniciativa de atraiçoar aquela que, senhora de uma dignidade moral, de verdadeiro espírito de liderança e da uma maternidade que lhe está impossibilitada, no íntimo ela admira e respeita.
De como na fraqueza física e moral do marido, a ânsia do poder pode perverter o amor.
E, com pertinência actual, Maria Stuart tão jovem, viúva do rei de França, mulher conhecedora de outras terras, outras gentes e outras culturas, que institui a tolerância religiosa percursora de outras tolerâncias, é bem mais moderna no ponto de vista humanitário, do que os sedentários senhores que nunca foram além da sua fronteira, instalados num feudalismo residual, do seu rigoroso nacionalismo.

Algés 21 Jan 2019

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