quarta-feira, 17 de outubro de 2018


CONSCIÊNCIA

(motivado pelo texto “OS DIAS DA MEMÓRIA E DA INTERROGAÇÃO” de Anselmo Borges – DN 02nov2013)


A consciência é “coisa” imaterial. Há a consciência individual, e consciência colectiva que se revela na individual, sendo que a colectiva é, mais do que a primeira, de cariz cultural.
A consciência individual é transitória e finita. O que permanece, são as suas consequências na consciência comum; na comunhão das consciências.
O espaço do colectivo é o lugar (imaterial, mais uma vez) onde se caldeiam as consciências, onde se aferem e onde se criam, refundem e formulam como coisa dialética, novas consciências.
A ideia de quem somos, porque somos e como somos, constitui o triângulo da consciência. A capacidade de nos vermos “por fora”, a noção da nossa finitude individual e provavelmente enquanto espécie, dá-nos uma perspectiva que os gnósticos acreditam ter uma finalidade determinada por uma “certa” vontade divina.
Sugeri, na circunstância do desastre de Chernobyl, (Abril de 1986) que o destino último dos humanos é o de seremos “fazedores de estrelas”, conseguindo com esse acto último, aproximarmo-nos ou confundirmo-nos com os atributos de Deus. E como Deus a existir, seria intemporal, a humanidade toda unificar-se-ia com a divindade ao tornar-se igualmente intemporal, pela dispersão física e regressão dos átomos que nos constituem ou com a criação de novos, assim como do sítio cósmico que habitamos.
Ora sendo a consciência imaterial, poderia admitir a sua persistência para além do apocalipse? Isso não me parece provável, porque tal como o projecto só existe a partir do risco do arquitecto, e o mais belo dospensamentos só existe a partir do momento em que lhe é dado um corpo, tal como a grandiosidade da obra só se manifesta pela utilização da pedra ou do aço pois não basta o pensamento do autor para que exista, do mesmo modo, a consciência é suportada por processos físico-químicos.
Mesmo que tal fosse possível, como nos podemos atrever à afirmação ou mera suspeição de que a consciência seria a última, única e perene “pegada” da humanidade?
Na ausência de quem pudesse testemunhar a intemporalidade última da consciência para lá da destruição física do consciente, parece-me fútil, inconsequente e intelectualmente desonesto, que contornando a questão da fé, afirmar (porque a afirmam), a “eternidade” dessa componente da condição humana.
No mundo da fantasia, tudo podemos conceber, mas libertos da ingenuidade infantil de acreditar serem reais os desenhos animados. Na verdade eles existem, mas com a sua qualidade própria de produto fantasiado.
A fé só por si, não pode dar cobertura a tudo, sobretudo quando se criam postulados que não são comprováveis. Só o que é testemunhável ou comprovável pode ser afirmado.
Coisa distinta e que não nego, é o direito de cada um fantasiar uma hipotética “tábua de salvação” partilhando a sua fantasia, como eu próprio partilho as minhas, mas que o bom senso me impede de impor como verdade.
  
Vela Latina 03nov2013.09.10



Na morte o homem é confrontado com o nada e angustia-se face a algo de concreto que nos ameaça e de que temos medo”.

 Quando chegar a minha hora, se eu tiver a consciência da morte eminente, não sei como irei reagir.
Em criança foi-me inculcado o medo da morte. Via as pessoas chorarem nos velórios e nos funerais. Pensava que o choro das carpideiras era dor verdadeira.
A recusa e o medo da dor é real, sendo um elemento básico para a sobrevivência. Tinha, até à experiência da guerra colonial, o medo de morrer.
Ensinaram-nos a ter medo da morte. Ao mesmo tempo tentavam convencer-nos de que o “Depois” é um estádio qualitativamente superior, para quem não for condenado aos infernos (outra figura do tipo, Olha o velho do saco). Não deveríamos ter, por esse motivo, medo da morte.
Mas fazer acreditar que a “vida no céu” existe, cria naturalmente um estado de ansiedade, de insegurança, devido ao medo de não se ser selecionado. Penso que é uma manifestação de cariz cultural numa dimensão educativa.
Há pessoas que sendo gnósticas, agnósticas e até ateias, morrem tranquilamente.
Mas o que é que de concreto nos ameaça na morte? Nada! O “Desconhecido” não existe, ninguém pode afirmar que ele está lá do outro lado à nossa espera.
O verdadeiro desconhecido é algo inerente à vida real. Está presente no quotidiano.
É o ingrediente essencial do instante seguinte. Na verdade somos especialistas no confronto com o desconhecido. É o que nos alicia, nos convida a percorrer o caminho do crescimento individual, das aprendizagens, da conquista do saber, da invenção da amizade, da solidariedade, da ética, elementos entre outros, do percurso para a evolução da espécie.
A morte, nada nos rouba. Nem tão pouco deve abafar-nos de tristeza.
Desde que não perspectivemos “o Além”, a morte constitui o epílogo, o momento último da vida que tudo nos deu.
Eu gostaria de no momento da morte, congratular-me com tudo o que tenho usufruído pelo facto de viver. Com os benefícios que a aventura da humanidade me proporcionou.
Gostaria de no momento da morte, sentir a doçura de enquanto amigo, professor, artista e pensador, pai e avô, ter sido capaz de passar o testemunho àqueles que irão, por sua vez, desempenhar o papel de portadores dos valores dignificadores da vida e da existência em geral, contra a ignorância, a maldade, a cobiça, em prol da harmonia entre os indivíduos e os povos, e destes com o planeta, de que em última instância somos parte integrante.
Porque o céu está na nossa consciência, e porque os infernos somos nós que por inépcia ou devido a pressões externas, os fazemos, não descortino fundamentos para a existência nem sinto a necessidade de um Deus, para me sentir em paz comigo e com o mundo, para morrer tranquilamente quando chegar a hora.
09.49
(segue-se a leitura do 3º parágrafo)

O que permanece, são as suas consequências na consciência comum; na comunhão das consciências…

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