quarta-feira, 17 de outubro de 2018


A CRISE E A PESCA COM CORVO-MARINHO



Portugal saiu à rua para exigir a demissão do governo de Passos Coelho.
Foi um desfile que só posso comparar com o do 1º de Maio de 1974.
Se há 39 anos se celebrava com alegria a libertação do povo português face ao jugo da ditadura de Salazar e Caetano, na de 2 de Março deixava transparecer uma tristeza tranquila de que só as palavras de ordem e o hino libertador de Grândola Vila Morena, revelavam um sinal de vitalidade, revelação quanto baste, de uma energia adormecida como a de um oceano de superfície tranquila, perante a contínua destruição das principais conquistas do 25 de Abril.
O regime democrático foi ao longo dos anos contaminado por figurantes da política que encontraram na meritória actividade, nada mais do que um meio para a obtenção de proveitos pessoais.
A ironia toda é que o regime democrático contém na sua natureza, espaço onde se anicham e prosperam aqueles que ao abrigo de leis cozinhadas a propósito, subvertem a causa pública, descredibilizam a actividade política e destroem a Democracia. A modalidade representativa de Democracia, dá-lhes cobertura para as suas sacanices, e o povo que os elege vê-se ludibriado sem possibilidade de recurso, perante as promessas sempre repetidas, a que se seguem depois das eleições, práticas inversas das razões que mobilizaram os eleitores.
Sem pudor, estes impostores reclama com arrogante desfaçatez a legitimidade do voto que os elevou à dominação, tanto de quem os apoiou, como daqueles que não se fiaram nas promessas velhas de falsidade. Abrigados nos quadriénios legislativos, são descaradamente os agentes da degradação económica, social e cultural do Povo.
O plurissecular vício governativo de “pedir emprestado” para que o país faça figura de rico, serve-se das crescentes dívidas resultantes como muletas, para afundarem cada vez mais as possibilidades nacionais de auto-suficiência. Outra geração, dos “vampiros” cantados por Zeca Afonso, aí estão; uns, a encherem-se quanto podem, outros, esperançados de que, quando este país não pertencer mais aos portugueses, serem premiados por aqueles que se enchem à custa de um povo cada vez mais exaurido, com empregos ou cargos estupendamente remunerados.

A maior tristeza neste processo, é que na ausência de uma alternativa clara e corajosa, nos estão a remeter para uma condição terceiro-mundista.
Quanto mais baixa for a remuneração do trabalho e mais desempregados houver, quando a fome alastrar nas famílias, mais depressa e submisso o povo lhes irá implorar uma tigela de sopa e uma côdea de pão para que os filhos não morram à míngua.
Parece quererem impor-nos uma indigência, justificadora da caridade daqueles que no processo retiram as mais-valias. Significativo disto, é apelo de Cavaco para que se pratique a caridade com os mais desfavorecidos. Deveria, isso sim, em vez de exigir ao governo medidas concretas para uma política solidária sob pena de demissão por incompetência.

Ao longo da história dos povos, houve incontáveis e variadas modalidades de escravização. Se umas eram legitimadas com o argumento da conquista, outras mais subtis e atuais, foram consequência de misérias impostas, na ausência de capacidade dos povos para se oporem aos poderosos. Todos foram esquemas de parasitismo, para exibir o esplendor de conquistadores.
Só há ricos porque há pobres. O mundo ocidental, rico, só evoluiu à custa da exploração dos povos maioritariamente do hemisfério sul. Nas economias desenvolvidas, quantos pobres serão precisos para fazer um rico? Roubando um euro a cada um num milhão de cidadãos, se faz um milionário.
Aqueles que acumulam o dinheiro, justificam a sua riqueza por herança de mão beijada, ou por direito divino sobre os outros homens, ou na atualidade pelas mais diversas razões, se acham mais merecedores da acumulação, por gerirem a riqueza produzida pelos que trabalham. Parecem ignorar, que sem aqueles, não há nenhuma gestão que por si só, produza riqueza.
Estes, e os governantes que os servem com enquadramentos legislativos que lhes defendem os estatutos, apregoam frequentemente que os pobres precisam dos ricos para terem trabalho. Grande falácia. Na verdade, os ricos é que precisam daqueles que trabalham, pois são estes os únicos que produzem e geram as riquezas que eles ostentam. Os donos do dinheiro acumulado tudo farão para eternizar o sistema, mantendo todo o povo se possível no limiar da sobrevivência como garantia da sua sujeição. Para isso, possibilitam-lhes conforto quanto baste, para que sintam um “arremedo de riqueza”. Depois, lá vem a caridade para dar uma ilusão de bondade hipócrita, ou quando muito para comprar um pedacinho node céu na balança do “juízo final”.

 As classes economicamente dominantes, - indivíduos, organizações, grandes impérios financeiros, - aplicam na prática, o método do pescador que explora as capacidades do corvo-marinho.

A ave mergulha para caçar o seu peixe, com uma corda ao pescoço suficientemente frouxa para não sufocar, mas bastante justa para que não possa engolir. No regresso à tona, o pescador tira-lhe o peixe grande e dá-lhe uma migalha que possa engolir. Ainda com fome, o corvo volta a mergulhar para regressar com outro peixe para o patrão e assim sucessivamente. O corvo come o suficiente para viver continuando a pescar, enquanto o dono amealha o rendimento do seu trabalho.

Quem acredita que os corvos marinhos precisam de dono?

É a metáfora que melhor caracteriza o sistema que os responsáveis pela atual crise querem manter.
Temos um presidente da república comprometido com este sistema, que não está qualificado para inverter o rumo para o descalabro total.

Tenho presente, que um povo escravizado, só pela força se liberta.

Algés, 03Março2013-03-03
Fernando Fonseca

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