A
CRISE E A PESCA COM CORVO-MARINHO
Portugal saiu à rua para
exigir a demissão do governo de Passos Coelho.
Foi um desfile que só
posso comparar com o do 1º de Maio de 1974.
Se há 39 anos se
celebrava com alegria a libertação do povo português face ao jugo da ditadura
de Salazar e Caetano, na de 2 de Março deixava transparecer uma tristeza
tranquila de que só as palavras de ordem e o hino libertador de Grândola Vila
Morena, revelavam um sinal de vitalidade, revelação quanto baste, de uma
energia adormecida como a de um oceano de superfície tranquila, perante a
contínua destruição das principais conquistas do 25 de Abril.
O regime democrático foi
ao longo dos anos contaminado por figurantes da política que encontraram na
meritória actividade, nada mais do que um meio para a obtenção de proveitos
pessoais.
A ironia toda é que o
regime democrático contém na sua natureza, espaço onde se anicham e prosperam
aqueles que ao abrigo de leis cozinhadas a propósito, subvertem a causa pública,
descredibilizam a actividade política e destroem a Democracia. A modalidade
representativa de Democracia, dá-lhes cobertura para as suas sacanices, e o povo
que os elege vê-se ludibriado sem possibilidade de recurso, perante as
promessas sempre repetidas, a que se seguem depois das eleições, práticas
inversas das razões que mobilizaram os eleitores.
Sem pudor, estes
impostores reclama com arrogante desfaçatez a legitimidade do voto que os
elevou à dominação, tanto de quem os apoiou, como daqueles que não se fiaram
nas promessas velhas de falsidade. Abrigados nos quadriénios legislativos, são
descaradamente os agentes da degradação económica, social e cultural do Povo.
O plurissecular vício
governativo de “pedir emprestado” para que o país faça figura de rico, serve-se
das crescentes dívidas resultantes como muletas, para afundarem cada vez mais
as possibilidades nacionais de auto-suficiência. Outra geração, dos “vampiros” cantados
por Zeca Afonso, aí estão; uns, a encherem-se quanto podem, outros,
esperançados de que, quando este país não pertencer mais aos portugueses, serem
premiados por aqueles que se enchem à custa de um povo cada vez mais exaurido,
com empregos ou cargos estupendamente remunerados.
A maior tristeza neste
processo, é que na ausência de uma alternativa clara e corajosa, nos estão a
remeter para uma condição terceiro-mundista.
Quanto mais baixa for a
remuneração do trabalho e mais desempregados houver, quando a fome alastrar nas
famílias, mais depressa e submisso o povo lhes irá implorar uma tigela de sopa
e uma côdea de pão para que os filhos não morram à míngua.
Parece quererem impor-nos
uma indigência, justificadora da caridade daqueles que no processo retiram as
mais-valias. Significativo disto, é apelo de Cavaco para que se pratique a caridade
com os mais desfavorecidos. Deveria, isso sim, em vez de exigir ao governo medidas
concretas para uma política solidária sob pena de demissão por incompetência.
Ao longo da história dos
povos, houve incontáveis e variadas modalidades de escravização. Se umas eram
legitimadas com o argumento da conquista, outras mais subtis e atuais, foram
consequência de misérias impostas, na ausência de capacidade dos povos para se
oporem aos poderosos. Todos foram esquemas de parasitismo, para exibir o
esplendor de conquistadores.
Só há ricos porque há
pobres. O mundo ocidental, rico, só evoluiu à custa da exploração dos povos
maioritariamente do hemisfério sul. Nas economias desenvolvidas, quantos pobres
serão precisos para fazer um rico? Roubando um euro a cada um num milhão de
cidadãos, se faz um milionário.
Aqueles que acumulam o
dinheiro, justificam a sua riqueza por herança de mão beijada, ou por direito
divino sobre os outros homens, ou na atualidade pelas mais diversas razões, se
acham mais merecedores da acumulação, por gerirem a riqueza produzida pelos que
trabalham. Parecem ignorar, que sem aqueles, não há nenhuma gestão que por si
só, produza riqueza.
Estes, e os governantes
que os servem com enquadramentos legislativos que lhes defendem os estatutos,
apregoam frequentemente que os pobres precisam dos ricos para terem trabalho.
Grande falácia. Na verdade, os ricos é que precisam daqueles que trabalham,
pois são estes os únicos que produzem e geram as riquezas que eles ostentam. Os
donos do dinheiro acumulado tudo farão para eternizar o sistema, mantendo todo
o povo se possível no limiar da sobrevivência como garantia da sua sujeição.
Para isso, possibilitam-lhes conforto quanto baste, para que sintam um “arremedo de riqueza”.
Depois, lá vem a caridade para dar uma ilusão de bondade hipócrita, ou quando
muito para comprar um pedacinho node céu na balança do “juízo final”.
As classes economicamente dominantes, - indivíduos,
organizações, grandes impérios financeiros, - aplicam na prática, o método do
pescador que explora as capacidades do corvo-marinho.
A ave mergulha para caçar
o seu peixe, com uma corda ao pescoço suficientemente frouxa para não sufocar,
mas bastante justa para que não possa engolir. No regresso à tona, o pescador
tira-lhe o peixe grande e dá-lhe uma migalha que possa engolir. Ainda com fome,
o corvo volta a mergulhar para regressar com outro peixe para o patrão e assim
sucessivamente. O corvo come o suficiente para viver continuando a pescar,
enquanto o dono amealha o rendimento do seu trabalho.
Quem acredita que os
corvos marinhos precisam de dono?
É a metáfora que melhor
caracteriza o sistema que os responsáveis pela atual crise querem manter.
Temos um presidente da
república comprometido com este sistema, que não está qualificado para inverter
o rumo para o descalabro total.
Tenho presente, que um
povo escravizado, só pela força se liberta.
Algés,
03Março2013-03-03
Fernando Fonseca
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