A SAIA DA FILOMENA
Filomena recostou-se na cama sem sono. Os braços cruzados
atrás da cabeça, olhava para a janela onde a chuva tocada pelo vento batia
insistentemente como a pedir que a deixasse entrar.
Aluz dos relâmpagos, atravessando a vidraça, dava ao quarto
um aspecto fantástico enquanto os trovões rebolavam preguiçosamente como os
bidões na calçada da minha aldeia, tornando mais funda a escuridão daquela
madrugada.
- Se amanhã não chover, vou tingir o pano para fazer uma saia.
- Pensou ela lembrando-se das mulheres que tingiam panos lá embaixo junto ao
rio.
-Vou fazer uma, toda azul. – Disse em voz alta como que a
registar a decisão tomada. E a pensar nisso adormeceu.
Quando chegou ao rio, a água espalhava-se pelas margens,
pois o leito era demasiado pequeno para conter a enxurrada e os pobres peixes,
com as guelras cheias de lama e outros detritos, vinham à tona como se
precisassem de tomar fôlego ou se quisessem admirar o solm que voltava radioso
após a tempestade da noite.
Descalçou-se para não magoar a relva, e esta pudesse com
ternura acariciar-lhe os pés.
- Bom dia, Relvinha. Que rico sol!
- Olá Mena. Sim, está um quentinho tão bom.
– Respondeu a sua amiga Relva enquanto lhe fazia cócegas nos pés.
- Ai, estejam quietas. Não me façam cócegas nos pés. Ah, ah, ah.
Pronto, já chega!
E riram todas. A Filomena e a Relva toda em coro.
As mulheres já tinham começado a trabalhar e ensinaram
Filomena como se tingia.
Mergulham-se os panos na tinta, espremem-se, mergulham-se
outra vez…
- Não te esqueças, Filomena. Quanto mais aguado estiver o índigo e mais
vezes se espremer, mais duração tem a cor.
- Então quero uma toda azul.
Mergulharam o pano e espremeram várias vezes.
A Filomena disse toda contente:
- Agora vou secar. Relvinha! Posso estender o meu pano novo em cima de
você, para o sol o secar?
A Relva era de verdade amiga dela e deixou-a esticar o pano
ali mesmo ao pé do rio. Depois, voltou para ver como as mulheres faziam os atados
para obter padrões diferentes.
Entretanto os coitadinhos dos peixes lá no rio, estavam aflitíssimos
com a água suja, quando um deles viu mesmo ali ao lado uma piscina com água
muito limpinha, toda azul. Gritou:
- Manos! Ali há água limpa. Vamos saltar para
lá? – E saltou, logo seguido de outros nove ou dez, que não esperaram
segundo convite.
- Op, op e zás!
-Ai!
- Ui!
- Ai, ai! Isto não é água. Deve ser uma miragem. - Disse um
deles, muito indignado.
- É verdade. Vamos mas é para o rio. Sempre é melhor água suja do que
água a fingir. – e saltaram todos para a corrente.
Ouvindo aquele alarido, Filomena virou-se para o sítio do
pano, mesmo a tempo de os ver regressar ao rio. Correu para o estendal e o que
viu?
No lugar onde os peixes tinham caído ficaram marcas, como se
o pano tivesse sido carimbado dez vezes.
- E esta, hein?
Filomena acordou, abriu a janela, respirou o ar fresco da
manhã e deixou que o sol lhe beijasse os lábios. Sentindo-se muito bem, disse
decidida;
- Vou fazer um pano azul com dez peixes estampados.
Bissau, 1980
Fernando Fonseca
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