quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A SAIA DA FILOMENA





A SAIA DA FILOMENA

Filomena recostou-se na cama sem sono. Os braços cruzados atrás da cabeça, olhava para a janela onde a chuva tocada pelo vento batia insistentemente como a pedir que a deixasse entrar.
Aluz dos relâmpagos, atravessando a vidraça, dava ao quarto um aspecto fantástico enquanto os trovões rebolavam preguiçosamente como os bidões na calçada da minha aldeia, tornando mais funda a escuridão daquela madrugada.
- Se amanhã não chover, vou tingir o pano para fazer uma saia. - Pensou ela lembrando-se das mulheres que tingiam panos lá embaixo junto ao rio.
-Vou fazer uma, toda azul. – Disse em voz alta como que a registar a decisão tomada. E a pensar nisso adormeceu.
Quando chegou ao rio, a água espalhava-se pelas margens, pois o leito era demasiado pequeno para conter a enxurrada e os pobres peixes, com as guelras cheias de lama e outros detritos, vinham à tona como se precisassem de tomar fôlego ou se quisessem admirar o solm que voltava radioso após a tempestade da noite.
Descalçou-se para não magoar a relva, e esta pudesse com ternura acariciar-lhe os pés.
- Bom dia, Relvinha. Que rico sol!
- Olá Mena. Sim, está um quentinho tão bom. – Respondeu a sua amiga Relva enquanto lhe fazia cócegas nos pés.
- Ai, estejam quietas. Não me façam cócegas nos pés. Ah, ah, ah. Pronto, já chega!
E riram todas. A Filomena e a Relva toda em coro.
As mulheres já tinham começado a trabalhar e ensinaram Filomena como se tingia.
Mergulham-se os panos na tinta, espremem-se, mergulham-se outra vez…
- Não te esqueças, Filomena. Quanto mais aguado estiver o índigo e mais vezes se espremer, mais duração tem a cor.
- Então quero uma  toda azul.
Mergulharam o pano e espremeram várias vezes.
A Filomena disse toda contente:
- Agora vou secar. Relvinha! Posso estender o meu pano novo em cima de você, para o sol o secar?
A Relva era de verdade amiga dela e deixou-a esticar o pano ali mesmo ao pé do rio. Depois, voltou para ver como as mulheres faziam os atados para obter padrões diferentes.
Entretanto os coitadinhos dos peixes lá no rio, estavam aflitíssimos com a água suja, quando um deles viu mesmo ali ao lado uma piscina com água muito limpinha, toda azul. Gritou:
- Manos! Ali há água limpa. Vamos saltar para lá? – E saltou, logo seguido de outros nove ou dez, que não esperaram segundo convite.
- Op, op e zás!
-Ai!
- Ui!
- Ai, ai! Isto não é água. Deve ser uma miragem. - Disse um deles, muito indignado.
- É verdade. Vamos mas é para o rio. Sempre é melhor água suja do que água a fingir. – e saltaram todos para a corrente.
Ouvindo aquele alarido, Filomena virou-se para o sítio do pano, mesmo a tempo de os ver regressar ao rio. Correu para o estendal e o que viu?
No lugar onde os peixes tinham caído ficaram marcas, como se o pano tivesse sido carimbado dez vezes.
- E esta, hein?
Filomena acordou, abriu a janela, respirou o ar fresco da manhã e deixou que o sol lhe beijasse os lábios. Sentindo-se muito bem, disse decidida;
- Vou fazer um pano azul com dez peixes estampados.

Bissau, 1980
Fernando Fonseca

Sem comentários:

Enviar um comentário