quinta-feira, 29 de novembro de 2012

UMA QUESTÃO DE NATALIDADE





A QUESTÃO DA NATALIDADE


Morreu ontem com quase cento e um anos, o antropólogo Claude Lévi-Srauss. Segundo comentou por ocasião dos seus noventa anos, a população mundial seria em 1910, cerca de 2.000.000.000 de pessoas. Durante o período em que viveu, aquele número triplicou.
Somos nesta data 6.812.000.000.
Em modo de celebração por ter existido este filósofo, decidi tecer algumas considerações acerca do problema da natalidade, que preocupa, de dois modos diferentes.
A Europa preocupa-se com a diminuição dos nascimentos. Do lado oposto, a R.P. da China estabeleceu leis drásticas para limitar a procriação.
Por partes:
Em Portugal, os meios os políticos, consideram alarmante o envelhecimento da população, resultante de dois factores; os poucos nascimentos e o aumento da longevidade. Esta preocupação, por duas ordens de razões deve-se à questão de fundos para a segurança social, mas também pelo receio de um dia não haver portugueses que cheguem, para continuar Portugal.
No que se refere a que os poucos nascimentos contribuem para a desertificação do interior, parece-me uma falsa questão.
O abandono das regiões rurais é consequência da modernização e dos novos estilos de vida que proporciona, diria, aquilo que se convencionou chamar de conforto e que constitui de modo geral, uma ditadura do consumismo.
Os custos da dinâmica concentracionista no litoral, não seriam menores do que os de uma política de desenvolvimento e de criação de estruturas básicas, numa perspectiva ecológica valorizadora do homem nas suas regiões de origem.
Este êxodo, contribui directamente para uma cultura de desconhecimento e ou de eliminação, de competências efectivas ao nível do sector primário.
É um não saber, que no futuro acarretará custos elevadíssimos para as sociedades e que muito dificilmente terá um retrocesso.
Esta civilização criou a ilusão de que é mais fácil adquirir os bens essenciais, e atrás deles, os outros que definem a modernidade. Na verdade, retirar alimentos das prateleiras de um hiper-mercado é mais cómodo no imediato, e dá a ilusão de que tudo se obtém sem esforço.
O reverso, a que o cidadão não é capaz de se opor, sujeita-o a situações que implicam uma relação insegura com o trabalho, mais exactamente na sua versão, emprego. O funcionário, não sendo directamente responsável pelo processo, perde geralmente de vista o valor do seu contributo, e desse modo desresponsabiliza-se da qualidade e da sua implicação no social. (3)
Esta deslocação de parte significativa da população para sectores secundários e serviços, desequilibra a relação produção/consumo dos bens essenciais, mais especificamente os alimentares e equipamentos.
Ao mesmo tempo que se reduz a produção, novas exigências consumistas somam-se às necessidades básicas, traduzindo-se no aumento das importações.
Provavelmente, tempo virá em que se sinta de modo efectivo a necessidade de inverter as políticas, e se opte por uma nova redistribuição das populações pelo território.
A dialéctica da História se encarregará de garantir que os modelos de produção anteriores aos anos 60/XX, não se voltem a repetir. Mas também não se espere que as tecnologias, sejam electrónicas ou biológicas, venham resolver a totalidade das necessidades humanas.
Até porque ao mesmo tempo, tem crescido a consciência ecológica e um sentido de responsabilidade na gestão equilibrada dos recursos planetários. (4)
Por outro lado, é utilizado um argumento de cariz nacionalista, provinciano e egocêntrico, que não leva em conta o crescimento exponencial da população humana. Parece que algo impede de enxergar para lá do quintal, ignorando grosseiramente que por este andar, se esgota a capacidade de o Planeta sustentar tantos biliões de habitantes.
Simultaneamente é chocante a destruição pública de alimentos às toneladas, sob os mais variados pretextos.
Parece que os responsáveis pelas políticas nos diversos países desenvolvidos, não querem considerar que uma das consequências do aquecimento global, até recentemente contestado como um facto, será a inundação de extensas áreas de terras produtivas. (5)
Uma das preocupações mais visíveis dos governantes europeus e de parte significativa das populações, ainda arreigadas a nacionalismos xenófobos cujas raízes são difíceis de apagar da memória, é a que se liga com a emigração, com destaque para as questões étnicas e culturais.
Os europeus, a que me refiro, têm medo que a dinâmica dos povos, lhes reserve o mesmo destino dos povos vitimados pela diáspora branca.
Ao longo de milhares de anos foram criadas gigantescas barreiras fronteiriças para tentar impedir migrações de povos devido a razões muito variadas, e que pudessem por em causa a segurança dos impérios construtores de barreiras. (5)
As mais recentes ainda em construção, impedem não já acções bélicas, mas êxodos motivados pelo enorme desequilíbrio económico entre os países desenvolvidos e os outros em vias de desenvolvimento, ou aqueles onde a miséria humana é generalizada. As populações, curiosamente não tanto as mais desfavorecidas, mas aquelas que se encontram numa situação de charneira, procuram a “qualidade de vida” e o seu lugar junto do “Deus Consumismo”.
Estas barreiras parecem-me actos desesperados ineficazes a médio prazo.
O mais emblemático dos nossos tempos, derrubado faz por estes dias vinte anos, o de Berlim, fortemente militarizado, caiu porque a correlação de forças dos dois impérios rivais se alterou.
A sua queda foi um sinal de que, por muito poderosos que sejam os Estados, as dinâmicas dos povos são muito mais fortes que o poder das armas, quer seja pela diplomacia, pelo diálogo cultural ou simplesmente pelo “gota a gota” através do processo iniciado pela necessidade que os países desenvolvidos têm de mão-de-obra. Sem excluir os movimentos autóctones de saturação pelas situações políticas e sociais.
Curiosamente é esta mão-de-obra, necessária para colmatar os desequilíbrios provocados pela deslocação de populações atrás referidas. Os imigrantes vêm fazer o que os nacionais já não sabem, ou não querem fazer, por considerarem que certos trabalhos classificados como inferiores, não são compatíveis com o estatuto com que eles se arrogam.
Alimentam essa atitude, certas políticas de segurança social, que subvencionam níveis de sobrevivência sem critérios eficazes de fiscalização e sem contrapartidas de retorno solidárias.
A agravar falsas ideias, os ícones do progresso; o bem-estar, o mito de que a vida é sempre risonha e colorida como um mundo encantado, dando a ideia de que a fortuna se obtém bastando accionar uma roda da sorte, constituem sobretudo na Europa e nos EUA, um pacote informativo/deformativo emitido via satélite para os lugares mais recônditos do planeta.
A própria cultura ocidental numa dinâmica em roda livre, sem se aperceber do impacto fora dos seus territórios, cria e difunde o mito de que aqui é o paraíso terrestre apetecido aos desafortunados do terceiro mundo.
Começando por aceitar por necessidade a emigração, vê-se confrontada com afluxos excessivos que desestabilizam os “status”dos seus sistemas.
Como não tem havido políticas de integração e aquilo que se tem feito produz efeitos perniciosos, os forasteiros vêem-se compelidos a guetos físicos e culturais, onde as idiossincrasias têm o seu papel gregário importante, nas suas dimensões etnias culturais e religiosas.
Penso por vezes que foi intencional a ausência de políticas de integração não só por motivos financeiros pois tinha os seus custos, que não eram vistos como um investimento, mas também porque privando os imigrantes de conforto não desincentivava o fenómeno das “chamadas”. A marginalização aliada à pobreza, pretende constituir um factor de insegurança e desmobilização, para futuros e eventuais clandestinos. Não se contava na época, com a força que a miséria imprime nas vontades.
O que se verifica de facto é que os factores gregários tendem a originar colónias que com o tempo, acabam por exercer pressões inevitáveis sobre os poderes. Pressões diversas, acabam por induzir medidas de minimização que nunca fizeram parte do pacote de intenções iniciais, porque entendiam os governantes que as migrações seriam provisórias.
A integração acessível, primeiro ao nível económico para indivíduos restritos, tem grandes dificuldades salvo raríssimas excepções, em acontecer ao nível do social. Com maior resistência nos núcleos familiares, dá nova visibilidade à questão étnica e religiosa mais do que a qualquer outro aspecto.
Só numa perspectiva cultural mais alargada poderá verificar-se uma miscigenação criadora de novos perfis culturais e de outra imagem de um povo.
É o que tem acontecido, se dermos atenção à História sobretudo da Europa, onde as populações encaram com a maior naturalidade até no interior da mesma família, a presença de louros, ruivos e morenos, de olhos azuis ou castanho, e toda uma tipologia de estruturas físicas e de rostos.
Sobretudo agora que se assume a era da globalização, com a redução do tempo das viagens e a irrelevância das distâncias, seria bom não perder de vista o percurso da Humanidade, reconhecer que as diferenças étnicas se devem sobretudo a extensos isolamentos que se perdem no tempo e na memória, e que o que parece inegável é que a Família Humana não tem outro caminho senão o do reencontro genético.
Passos ainda tímidos mas onde podemos descortinar algum significado, é o da valorização de desportistas sobretudo de origem africana, e o quase endeusamento de padrões de beleza que não a caucasiana. Beleza a que têm sido sensíveis diversos protagonistas do mesticismo, quase sempre sob a reprovação conservadora de classes dominantes e daqueles que a elas se cingiam.
Simbólico acima de tudo, principalmente por ter acontecido nos EUA, foi a eleição de Barak Obama à presidência do país actualmente mais poderoso do mundo. Há pois que entender a questão da natalidade, não no ponto de vista nacionalista, étnico ou meramente cultural (6) mas na consideração de sustentabilidade do planeta cujos recursos, ao contrário da proliferação humana têm sofrido reveses e delapidações irreversíveis.
Nesta perspectiva voltemos a atenção para o modo como a RPC tem encarado este problema.
O que nos chega pelos media, pode resumir-se em que cada casal não pode ter mais do que um filho.
Quando não são eficazes os métodos contraceptivos, o Estado determina aborto obrigatório para além do primeiro filho.
Entretanto o avanço tecnológico facilita a identificação do sexo dos fetos, permitindo-lhes eliminar preferencialmente, os de sexo feminino.
Estas medidas chocam o Ocidente que considera por um lado que os filhos são uma dádiva divina, por outro, na perspectiva dos direitos humanos choca, negar a geração de famílias numerosas, valorizadas como um meio adequado às aprendizagens do convívio entre as pessoas e propiciadora de hábitos de entreajuda e de solidariedade.
Após a segunda Grande Guerra, as famílias do centro da Europa começaram a reduzir o número de filhos, quer fosse pelo trauma da guerra que tinham vivido, quer pelos custos de uma família alargada, significarem menor capitação do agregado, claramente no ponto de vista capitalista em que o dinheiro passou a ser o grande condicionador do nível de vida. Aconteceu mais nos meios urbanos do que nos campos, onde uma família numerosa continuou a ser garantia de produções abastadas.
A China actual, preparando-se para ser potência dominante antes do meio do século, já não é a mesma que Mao arrancou do modelo medieval.
O maoísmo, inscrevendo nos seus desígnios a construção de uma nação moderna, teve necessariamente que fazer uma avaliação dos recursos disponíveis.
Com uma população na época, de cerca de 800.000.000 que pretendia impregnar dos princípios marxistas igualitários, tinha forçosamente que enquadrar cada um dos seus habitantes em comités que, articulados ferreamente, facilitariam a “educação” do povo.
Fazendo falta, todos os homens e mulheres na máquina do “progresso”, bastaria que cada casal contribuísse com a descendência suficiente para a manutenção da população.
O Poder tinha noção de que, o seu quase bilião de habitantes, só por si, já constituía factor de contenção, para que outros impérios não arriscassem beliscar o gigante que dera provas significativas da sua força de vontade, com a que se tornou quase mítica, Longa Marcha.
Só que, os grandes ideais, quando passam a ser interpretados por actores que não estão na sua génese, acabam sempre por ser desvirtuados. Acresce que para se imporem, não podem deixar de arregimentar indivíduos para quem os ideais, são submersos pela ascensão de interesses pessoais ou de grupos e de lóbies.
O poder corrompe, diz-se. A corrupção é a táctica ideal para ascender vertiginosamente ao poder económico. As coligações de interesses constroem impérios económicos, que diferentes na essência dos impérios políticos, acabam por exercer condicionalismos que levam à submissão da política.
Abreviando; Na RPC coexistem populações inteiras na pobreza acentuada no limiar da subsistência, com escandalosas condições multimilionárias. Os tugúrios mais humildes, com a expressão da arquitectura de vanguarda.
Ao contrário da Europa, sendo a RPC o país com o menor índice de natalidade, é apesar de tudo, aquele que tem uma prática mais ajustada ao equilíbrio entre as populações e os recursos, sem receio da extinção enquanto nação; nem étnica nem cultural. (7)

Os últimos cinco séculos são o período da História em que uma população aparentada étnica e culturalmente, de expandiu dominando o planeta, contribuindo em muitos casos conhecidos, para a extinção de outros povos e de civilizações importantíssimas, conhecidas hoje unicamente com recurso à arqueologia.
Já lá vai o tempo em que era quase único, o chinês que vendia gravatas na Rua do Arsenal, ao Corpo Santo.
Depois do aparecimento dos restaurantes chineses, têm proliferado em Portugal as lojas chinesas, de tal modo que não há sede de Concelho, ou simples vila, que não tenha pelo menos uma, não me custando nada acreditar que o século XXI seja o século da diáspora chinesa, com o contributo que então poderão dar os casais chineses, com pelo menos o dobro dos filhos que têm agora. (8).
E que a população do planeta seja no século XXX maioritariamente bronzeada e de olhos amendoados.


(1)     Redução da população activa devido a menos nascimentos, mas também devido ao direito à reforma que remete para a inactividade uma parcela substancial da população muito deles ainda, com capacidade para intervir socialmente. A atracção pelos estilos de vida moderna, actua como um íman psicológico.
(2)     Pela referência às classes com maior poder económico, é considerada direito de cada um, que se viva acima das possibilidades económicas.
(3)     Acostumamo-nos a considerar que cabe aos políticos a tarefa de conduzir a
Sociedade, libertando-nos dessa preocupação. A percepção dos componentes e das 
         implicações próprias dessa gestão, porque se têm tornado mais complexas, é
         reduzida para a maioria dos cidadãos.
(4)    Fazer referência às questões energética já exploradas pela ficção, sugestivas de
indícios que permitem alertas consistentes.
(5)      Muralha da China com 6.700Km levou mais de 1.000 anos a construir.
Muralha de Adriano com 115Km.
Cortina de Ferro – (Muro de Berlim) com 155Km iniciado em 1961
Linha Verde de Chipre, com 180Km
Barreira de Belfast separando Católicos de Protestantes, curiosamente duas facções da mesma religião cristã.
Muro da Cisjordânia com 703Km
Barreira fronteiriça do México com EEUU com 1125Km
Barreira de Ceuta e Melilha contra a imigração clandestina.
Paralelo 38 fronteira militarizada das Coreias.
(6)    Entender que a única maneira de manter vivos valores culturais é a sua simbiose
com outras culturas resultando daí um enriquecimento recíproco
A mistura de culturas nunca foi redutora. Pelo contrário, a resistência obstinada, a recusa da outra é propiciadora de violências, essas sim eliminadoras das que dependendo de factores variados, for menos belicista, ou tiver menos atributos para ser aceite.
(7) Os vários Impérios chineses foram durante milhares de anos invadidos por povos
 de origem mongol. A força da cultura chinesa foi sempre tal que os invasores acabavam por prescindir das suas culturas originais tornando-se por sua vez chineses.
(8) Numa situação em que a população terrestre é já excessiva, uma eventual duplicação
da população chinesa a alimentar uma eventual diáspora, só poderia evitar-se a catástrofe, à custa de outras populações, repetindo-se, embora noutros moldes, as consequências verificadas aquando da expansão dos europeus.


Fernando Fonseca
Algés06NOV2009

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