A QUESTÃO DA NATALIDADE
Morreu ontem com quase cento e um
anos, o antropólogo Claude Lévi-Srauss. Segundo comentou por ocasião dos seus
noventa anos, a população mundial seria em 1910, cerca de 2.000.000.000 de
pessoas. Durante o período em que viveu, aquele número triplicou.
Somos nesta data 6.812.000.000.
Em modo de celebração por ter
existido este filósofo, decidi tecer algumas considerações acerca do problema
da natalidade, que preocupa, de dois modos diferentes.
A Europa preocupa-se com a
diminuição dos nascimentos. Do lado oposto, a R.P. da China estabeleceu leis
drásticas para limitar a procriação.
Por partes:
Em Portugal, os meios os
políticos, consideram alarmante o envelhecimento da população, resultante de
dois factores; os poucos nascimentos e o aumento da longevidade. Esta
preocupação, por duas ordens de razões deve-se à questão de fundos para a
segurança social, mas também pelo receio de um dia não haver portugueses que
cheguem, para continuar Portugal.
No que se refere a que os poucos
nascimentos contribuem para a desertificação do interior, parece-me uma falsa
questão.
O abandono das regiões rurais é
consequência da modernização e dos novos estilos de vida que proporciona, diria,
aquilo que se convencionou chamar de conforto e que constitui de modo geral, uma
ditadura do consumismo.
Os custos da dinâmica
concentracionista no litoral, não seriam menores do que os de uma política de
desenvolvimento e de criação de estruturas básicas, numa perspectiva ecológica valorizadora
do homem nas suas regiões de origem.
Este êxodo, contribui
directamente para uma cultura de desconhecimento e ou de eliminação, de
competências efectivas ao nível do sector primário.
É um não saber, que no futuro
acarretará custos elevadíssimos para as sociedades e que muito dificilmente
terá um retrocesso.
Esta civilização criou a ilusão
de que é mais fácil adquirir os bens essenciais, e atrás deles, os outros que
definem a modernidade. Na verdade, retirar alimentos das prateleiras de um
hiper-mercado é mais cómodo no imediato, e dá a ilusão de que tudo se obtém sem
esforço.
O reverso, a que o cidadão não é
capaz de se opor, sujeita-o a situações que implicam uma relação insegura com o
trabalho, mais exactamente na sua versão, emprego. O funcionário, não sendo
directamente responsável pelo processo, perde geralmente de vista o valor do
seu contributo, e desse modo desresponsabiliza-se da qualidade e da sua
implicação no social. (3)
Esta deslocação de parte
significativa da população para sectores secundários e serviços, desequilibra a
relação produção/consumo dos bens essenciais, mais especificamente os
alimentares e equipamentos.
Ao mesmo tempo que se reduz a
produção, novas exigências consumistas somam-se às necessidades básicas, traduzindo-se
no aumento das importações.
Provavelmente, tempo virá em que
se sinta de modo efectivo a necessidade de inverter as políticas, e se opte por
uma nova redistribuição das populações pelo território.
A dialéctica da História se
encarregará de garantir que os modelos de produção anteriores aos anos 60/XX, não se voltem a repetir. Mas também não
se espere que as tecnologias, sejam electrónicas ou biológicas, venham resolver
a totalidade das necessidades humanas.
Até porque ao mesmo tempo, tem
crescido a consciência ecológica e um sentido de responsabilidade na gestão
equilibrada dos recursos planetários. (4)
Por outro lado, é utilizado um
argumento de cariz nacionalista, provinciano e egocêntrico, que não leva em
conta o crescimento exponencial da população humana. Parece que algo impede de
enxergar para lá do quintal, ignorando grosseiramente que por este andar, se
esgota a capacidade de o Planeta sustentar tantos biliões de habitantes.
Simultaneamente é chocante a
destruição pública de alimentos às toneladas, sob os mais variados pretextos.
Parece que os responsáveis pelas
políticas nos diversos países desenvolvidos, não querem considerar que uma das
consequências do aquecimento global, até recentemente contestado como um facto,
será a inundação de extensas áreas de terras produtivas. (5)
Uma das preocupações mais visíveis
dos governantes europeus e de parte significativa das populações, ainda
arreigadas a nacionalismos xenófobos cujas raízes são difíceis de apagar da
memória, é a que se liga com a emigração, com destaque para as questões étnicas
e culturais.
Os europeus, a que me refiro, têm
medo que a dinâmica dos povos, lhes reserve o mesmo destino dos povos vitimados
pela diáspora branca.
Ao longo de milhares de anos
foram criadas gigantescas barreiras fronteiriças para tentar impedir migrações
de povos devido a razões muito variadas, e que pudessem por em causa a
segurança dos impérios construtores de barreiras. (5)
As mais recentes ainda em
construção, impedem não já acções bélicas, mas êxodos motivados pelo enorme
desequilíbrio económico entre os países desenvolvidos e os outros em vias de
desenvolvimento, ou aqueles onde a miséria humana é generalizada. As
populações, curiosamente não tanto as mais desfavorecidas, mas aquelas que se
encontram numa situação de charneira, procuram a “qualidade de vida” e o seu
lugar junto do “Deus Consumismo”.
Estas barreiras parecem-me actos
desesperados ineficazes a médio prazo.
O mais emblemático dos nossos
tempos, derrubado faz por estes dias vinte anos, o de Berlim, fortemente
militarizado, caiu porque a correlação de forças dos dois impérios rivais se
alterou.
A sua queda foi um sinal de que,
por muito poderosos que sejam os Estados, as dinâmicas dos povos são muito mais
fortes que o poder das armas, quer seja pela diplomacia, pelo diálogo cultural
ou simplesmente pelo “gota a gota” através do processo iniciado pela
necessidade que os países desenvolvidos têm de mão-de-obra. Sem excluir os
movimentos autóctones de saturação pelas situações políticas e sociais.
Curiosamente é esta mão-de-obra,
necessária para colmatar os desequilíbrios provocados pela deslocação de
populações atrás referidas. Os imigrantes vêm fazer o que os nacionais já não
sabem, ou não querem fazer, por considerarem que certos trabalhos classificados
como inferiores, não são compatíveis com o estatuto com que eles se arrogam.
Alimentam essa atitude, certas
políticas de segurança social, que subvencionam níveis de sobrevivência sem
critérios eficazes de fiscalização e sem contrapartidas de retorno solidárias.
A agravar falsas ideias, os ícones
do progresso; o bem-estar, o mito de que a vida é sempre risonha e colorida
como um mundo encantado, dando a ideia de que a fortuna se obtém bastando
accionar uma roda da sorte, constituem sobretudo na Europa e nos EUA, um pacote informativo/deformativo emitido
via satélite para os lugares mais recônditos do planeta.
A própria cultura ocidental numa
dinâmica em roda livre, sem se aperceber do impacto fora dos seus territórios,
cria e difunde o mito de que aqui é o paraíso terrestre apetecido aos desafortunados
do terceiro mundo.
Começando por aceitar por necessidade
a emigração, vê-se confrontada com afluxos excessivos que desestabilizam os
“status”dos seus sistemas.
Como não tem havido políticas de
integração e aquilo que se tem feito produz efeitos perniciosos, os forasteiros
vêem-se compelidos a guetos físicos e culturais, onde as idiossincrasias têm o
seu papel gregário importante, nas suas dimensões etnias culturais e
religiosas.
Penso por vezes que foi
intencional a ausência de políticas de integração não só por motivos
financeiros pois tinha os seus custos, que não eram vistos como um
investimento, mas também porque privando os imigrantes de conforto não
desincentivava o fenómeno das “chamadas”. A marginalização aliada à pobreza,
pretende constituir um factor de insegurança e desmobilização, para futuros e
eventuais clandestinos. Não se contava na época, com a força que a miséria
imprime nas vontades.
O que se verifica de facto é que
os factores gregários tendem a originar colónias que com o tempo, acabam por
exercer pressões inevitáveis sobre os poderes. Pressões diversas, acabam por
induzir medidas de minimização que nunca fizeram parte do pacote de intenções
iniciais, porque entendiam os governantes que as migrações seriam provisórias.
A integração acessível, primeiro
ao nível económico para indivíduos restritos, tem grandes dificuldades salvo
raríssimas excepções, em acontecer ao nível do social. Com maior resistência
nos núcleos familiares, dá nova visibilidade à questão étnica e religiosa mais do
que a qualquer outro aspecto.
Só numa perspectiva cultural mais
alargada poderá verificar-se uma miscigenação criadora de novos perfis
culturais e de outra imagem de um povo.
É o que tem acontecido, se dermos
atenção à História sobretudo da Europa, onde as populações encaram com a maior
naturalidade até no interior da mesma família, a presença de louros, ruivos e
morenos, de olhos azuis ou castanho, e toda uma tipologia de estruturas físicas
e de rostos.
Sobretudo agora que se assume a
era da globalização, com a redução do tempo das viagens e a irrelevância das
distâncias, seria bom não perder de vista o percurso da Humanidade, reconhecer
que as diferenças étnicas se devem sobretudo a extensos isolamentos que se
perdem no tempo e na memória, e que o que parece inegável é que a Família
Humana não tem outro caminho senão o do reencontro genético.
Passos ainda tímidos mas onde
podemos descortinar algum significado, é o da valorização de desportistas
sobretudo de origem africana, e o quase endeusamento de padrões de beleza que
não a caucasiana. Beleza a que têm sido sensíveis diversos protagonistas do
mesticismo, quase sempre sob a reprovação conservadora de classes dominantes e
daqueles que a elas se cingiam.
Simbólico acima de tudo,
principalmente por ter acontecido nos EUA,
foi a eleição de Barak Obama à presidência do país actualmente mais poderoso do
mundo. Há pois que entender a questão da natalidade, não no ponto de vista
nacionalista, étnico ou meramente cultural (6) mas na consideração de
sustentabilidade do planeta cujos recursos, ao contrário da proliferação humana
têm sofrido reveses e delapidações irreversíveis.
Nesta perspectiva voltemos a
atenção para o modo como a RPC tem
encarado este problema.
O que nos chega pelos media, pode
resumir-se em que cada casal não pode ter mais do que um filho.
Quando não são eficazes os
métodos contraceptivos, o Estado determina aborto obrigatório para além do
primeiro filho.
Entretanto o avanço tecnológico
facilita a identificação do sexo dos fetos, permitindo-lhes eliminar
preferencialmente, os de sexo feminino.
Estas medidas chocam o Ocidente
que considera por um lado que os filhos são uma dádiva divina, por outro, na perspectiva
dos direitos humanos choca, negar a geração de famílias numerosas, valorizadas
como um meio adequado às aprendizagens do convívio entre as pessoas e
propiciadora de hábitos de entreajuda e de solidariedade.
Após a segunda Grande Guerra, as
famílias do centro da Europa começaram a reduzir o número de filhos, quer fosse
pelo trauma da guerra que tinham vivido, quer pelos custos de uma família
alargada, significarem menor capitação do agregado, claramente no ponto de
vista capitalista em que o dinheiro passou a ser o grande condicionador do
nível de vida. Aconteceu mais nos meios urbanos do que nos campos, onde uma família
numerosa continuou a ser garantia de produções abastadas.
A China actual, preparando-se
para ser potência dominante antes do meio do século, já não é a mesma que Mao
arrancou do modelo medieval.
O maoísmo, inscrevendo nos seus
desígnios a construção de uma nação moderna, teve necessariamente que fazer uma
avaliação dos recursos disponíveis.
Com uma população na época, de
cerca de 800.000.000 que pretendia impregnar dos princípios marxistas
igualitários, tinha forçosamente que enquadrar cada um dos seus habitantes em
comités que, articulados ferreamente, facilitariam a “educação” do povo.
Fazendo falta, todos os homens e
mulheres na máquina do “progresso”, bastaria que cada casal contribuísse com a
descendência suficiente para a manutenção da população.
O Poder tinha noção de que, o seu
quase bilião de habitantes, só por si, já constituía factor de contenção, para
que outros impérios não arriscassem beliscar o gigante que dera provas
significativas da sua força de vontade, com a que se tornou quase mítica, Longa
Marcha.
Só que, os grandes ideais, quando
passam a ser interpretados por actores que não estão na sua génese, acabam
sempre por ser desvirtuados. Acresce que para se imporem, não podem deixar de
arregimentar indivíduos para quem os ideais, são submersos pela ascensão de
interesses pessoais ou de grupos e de lóbies.
O poder corrompe, diz-se. A
corrupção é a táctica ideal para ascender vertiginosamente ao poder económico.
As coligações de interesses constroem impérios económicos, que diferentes na
essência dos impérios políticos, acabam por exercer condicionalismos que levam
à submissão da política.
Abreviando; Na RPC coexistem populações inteiras na pobreza
acentuada no limiar da subsistência, com escandalosas condições multimilionárias.
Os tugúrios mais humildes, com a expressão da arquitectura de vanguarda.
Ao contrário da Europa, sendo a RPC o país com o menor índice de natalidade, é
apesar de tudo, aquele que tem uma prática mais ajustada ao equilíbrio entre as
populações e os recursos, sem receio da extinção enquanto nação; nem étnica nem
cultural. (7)
Os últimos cinco séculos são o
período da História em que uma população aparentada étnica e culturalmente, de
expandiu dominando o planeta, contribuindo em muitos casos conhecidos, para a
extinção de outros povos e de civilizações importantíssimas, conhecidas hoje
unicamente com recurso à arqueologia.
Já lá vai o tempo em que era
quase único, o chinês que vendia gravatas na Rua do Arsenal, ao Corpo Santo.
Depois do aparecimento dos
restaurantes chineses, têm proliferado em Portugal as lojas chinesas, de tal modo
que não há sede de Concelho, ou simples vila, que não tenha pelo menos uma, não
me custando nada acreditar que o século XXI
seja o século da diáspora chinesa, com o contributo que então poderão dar os
casais chineses, com pelo menos o dobro dos filhos que têm agora. (8).
E que a população do planeta seja
no século XXX maioritariamente bronzeada e
de olhos amendoados.
(1) Redução da população activa devido a menos nascimentos,
mas também devido ao direito à reforma que remete para a inactividade uma
parcela substancial da população muito deles ainda, com capacidade para
intervir socialmente. A atracção pelos estilos de vida moderna, actua como um
íman psicológico.
(2) Pela referência às classes com maior poder económico, é
considerada direito de cada um, que se viva acima das possibilidades
económicas.
(3) Acostumamo-nos a considerar que cabe aos políticos a
tarefa de conduzir a
Sociedade, libertando-nos dessa preocupação. A percepção
dos componentes e das
implicações próprias dessa gestão, porque se
têm tornado mais complexas, é
reduzida
para a maioria dos cidadãos.
(4)
Fazer
referência às questões energética já exploradas pela ficção, sugestivas de
indícios que permitem alertas consistentes.
(5)
Muralha da China
com 6.700Km levou mais de 1.000 anos a construir.
Muralha de Adriano com 115Km.
Cortina de Ferro – (Muro de Berlim) com 155Km iniciado
em 1961
Linha Verde de Chipre, com 180Km
Barreira de Belfast separando Católicos de
Protestantes, curiosamente duas facções da mesma religião cristã.
Muro da Cisjordânia com 703Km
Barreira fronteiriça do México com EEUU com 1125Km
Barreira de Ceuta e Melilha contra a imigração
clandestina.
Paralelo 38 fronteira militarizada das Coreias.
(6)
Entender que a única maneira de manter
vivos valores culturais é a sua simbiose
com outras culturas resultando daí um enriquecimento
recíproco
A mistura de culturas nunca foi redutora. Pelo
contrário, a resistência obstinada, a recusa da outra é propiciadora de
violências, essas sim eliminadoras das que dependendo de factores variados, for
menos belicista, ou tiver menos atributos para ser aceite.
(7)
Os vários Impérios chineses foram durante milhares de anos invadidos por povos
de origem
mongol. A força da cultura chinesa foi sempre tal que os invasores acabavam por
prescindir das suas culturas originais tornando-se por sua vez chineses.
(8)
Numa situação em que a população terrestre é já excessiva, uma eventual
duplicação
da população chinesa a alimentar uma eventual diáspora,
só poderia evitar-se a catástrofe, à custa de outras populações, repetindo-se,
embora noutros moldes, as consequências verificadas aquando da expansão dos
europeus.
Fernando Fonseca
Algés06NOV2009
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