DÍVIDA SOBERANA
GOSTARIA QUE ESTE
ESCRITO fosse mais
do que um simples desabafo, e nesse sentido, algo mais consistente do que os habituais
desabafos “de café”.
Nessas tertúlias libertamos um pouco da energia contida,
diria até, comprimida pelo Sistema político/administrativo que vigora em Portugal,
agora sob o consulado de Passos Coelho.
Dizem que desabafar faz bem, mas sinto que sentirmo-nos bem, no
âmago desta realidade não nos faz bem nenhum. Eterniza-nos a sonolência.
Os meus companheiros de desabafos revelam aspectos da crise
que entretanto me passaram despercebidos, e conjuntamente, sentimos que o descontentamento
geral tem aumentado. Todos dizemos que “isto” bateu no fundo, mas acabamos sempre
por saber que existe uma infinidade de fundos que se subpõem, revelados a cada
suposto limite. A conclusão repetida a cada encontro, é a de pena por não
aparecer ninguém suficientemente carismático e credível, capaz de corporizar
todos os nossos anseios, com capacidade de organização, de acção e de liderança
de uma equipa de homens e de mulheres, absolutamente impolutos por provas
dadas, agentes de um renovado paradigma Democrático.
Todos conhecemos figuras que ganharam o respeito geral e que
aceitaríamos tomarem em mãos colegialmente, os destinos deste país, e em última
instância devolver o orgulho, que ao nosso povo tem sido e continua a ser
sistematicamente roubado.
Quando tentamos perceber, por que razão essas figuras
detentoras de valores já postos à prova recusam alinhar no mundo da Política, a
ideia, é de que não querem misturar-se na “porca da política” onde ficariam
inevitavelmente conspurcados. Talvez porque no íntimo, cada um saiba que a sua
acção seria inconsequente num oceano de águas sujas, onde imperam as corrupções
nas diversas modalidades, os lóbis, os compadrios, e a gratidão por favores ou
ajudas recebidas.
NUM ESTADO inundado por “políticos” formados exclusivamente
pelos aparelhos partidários, em conformidade com as sensibilidades e
interpretações programáticas de quem ciclicamente chega ao poder, conhecedores
(?) somente, de itens seleccionados em função do voto, distantes das
verdadeiras e prementes necessidades do povo para quem, em última instância
deveriam governar. Actores numa política de catavento, feita em moldes de
continuidade como quem navega sem bússola, incapazes de manter e muito menos
melhorar as orientações do partido, e quando na oposição fazem inflamados
discursos de contra maioria, fazendo-nos pensar, que no sistema de alternância
partidária que lhes é tão caro, são criaturas de dupla personalidade.
Quem, com integridade de caracter se sujeitaria a um
afogamento inútil neste oceano de invisíveis margens?
Faz-nos falta a nós cidadãos em Portugal, (vá lá saber-se
porquê) a força anímica para unir vontades em torno de algo construtivo, de
produzir uma dinâmica verdadeiramente revolucionária, (recordo Mohandas Gandhi).
É que na ausência de tal capacidade a situação do povo e do país não tem saída.
Todavia, é forçoso reconhecer o significado e o valor das
iniciativas populares, nomeadamente dos “indignados” que na Praça dos
Restauradores, ousaram impor-se à esfíngica imagem governativa, mas cedo me pareceu,
que a própria recepção dos líderes pelo Presidente da Assembleia da República,
não passava de um sorriso de desdém mascarado de “audição da voz do povo”.
Como este, surgiu igualmente inspirado nas poderosas
manifestações de Madrid, o grandioso movimento global de Indignação, de cariz
internacionalista, como não podia deixar de ser face à realidade mundial dos
problemas que a todos os povos afecta.
Mas esse movimento de protesto contra a exploração a que o
Capital (vestindo agora a roupagem de Mercado), sujeita toda a população
planetária, será sempre pouco menos do que inconsequente, se localmente não
germinar uma inabalável e frutífera vontade de mudança.
EM DEMOCRACIA a razão de ser do Estado é o bem-estar
e a segurança do povo. Quando os cidadãos têm cada vez menos pão, habitação
mais precária, saúde cada vez mais cara, o acesso a educação pedagógica de
qualidade lhes está dificultado, o Estado não tem razão de ser.
O modelo de Estado-Propriedade, com o poder centralizado num
imperador, numa família, num ditador ou em oligarquias de índole diversa, é
frequentemente proscrito ainda que só na palavra pelos líderes ocidentais,
(veja-se a escandalosa relação com Khadafi) porque alegadamente assentam o seu poder
numa negação dos direitos democráticos do povo.
Mas os mesmos lideres que se intitulam de democratas, são-no
unicamente no momento do voto, expressão das vontades individuais genericamente
“comprados” com as astronómicas despesas em campanhas eleitorais, (e, como
tantas vezes todos assistimos na nossa terra, em troca de um frigorífico, da
reparação de um caminho, ou da construção de uma marina, que ninguém quer).
Não é por acaso, que
estes governantes perante as manifestações de descontentamento do povo, invocam
o fantasma de uma potencial violência, perigosa para o “Estado Democrático”.
Para o estado democrático, mas na versão daqueles que sustentam os regimes que
se auto-intitulam de democráticos, e que de forma reptícia e continuada, vão
promulgando leis e decretos, esses sim, geradores da verdadeira e mais
traiçoeira violência a que o povo fica sujeito.
A lealdade que seria
de esperar daqueles que mandatamos, esvai-se num virar de casaca, quiçá, revelador
de má-fé.
Vêm agora sacar-nos, na modalidade de saque legal, o
pouco que temos para pagar uma crise expressa na imagem de “Dívida Soberana”,
de que não somos responsáveis.
Registe-se, que após a 2ª Guerra Mundial, gerações
foram paulatinamente viciadas com um novo “ópio do povo”. Ópio camuflado de conforto
ao alcance de todos, disfarçado de ”Qualidade de Vida”. Impingiram-nos a ideia
sedutora de que todos poderíamos ser ricos. Ou que, não o sendo, parecer ser. A
nova estratégia consistiu na invenção de “necessidades”, verdadeiros fetiches
de um virtual desenvolvimento social. Os banqueiros, e atrás deles, grandes
indústrias, hipermercados e um sem número de organizações, encontraram nesses
promotores extraordinárias afinidades, e passaram a oferecer e muitas vezes a
impingir créditos, sem se certificarem de que os destinatários tinham
capacidade para os honrar. E se o fizeram, foi porque as situações de crédito
mal parado a acontecerem, já estavam cobertas pelos lucros das vendas
entretanto realizadas, sendo que as indústrias e os bancos se identificam em
imensos “clusters”.
É o caso
exemplar da Alemanha, líder industrial da Europa que ganha com as vendas que
faz para os outros países da União, e ganha com os juros do dinheiro que lhes
empresta para essas mesmas compras. (Réplica
actualizada do velho sistema Brasileiro em que os proprietários das roças vendiam
os alimentos, as ferramentas e o vestuário aos seus trabalhadores, de tal modo
que por muito que lhes pagassem, estes ficavam a dever cada vez mais ao patrão.
É que o proprietário que detinha a única lei na roça tinha uma balança para
pesar o que comprava e outra para o que vendia. E nem podiam os desgraçados fugir
ao jugo do patrão, porque eram de seguida caçados por serem devedores. Os que
não eram abatidos, só se libertavam da dívida trabalhando sem receber durante o
tempo que o proprietário determinasse. Uma dissimulada forma de escravatura).
Tal qual como o Estado que conhecemos; Exige pagamento por conta de um rendimento
a acontecer, cobra IVA de quem ainda não ganhou, arresta os bens de quem não
ganha o suficiente para pagar impostos, e não paga, ou paga tarde o que deve a
terceiros que lhe prestam serviço.
VÊM ASSIM
SAQUEAR-NOS de uma parte do nosso
rendimento, que, segundo uma lei não revogada (*) é inalienável, por ser
componente do património adquirido pelo nosso trabalho.
Levam-no, porque o país deve milhares de milhões ao
estrangeiro.
Se uma parte dessa dívida, se reporta às tais
“necessidades” que nos foram impingidas, para nos iludir com o estatuto de povo
pertencente ao “Pelotão da Frente” como na época se dizia, reza o ditado que,
“Quem o alheio veste na praça o despe”, pelo que não estamos colectivamente
inteiramente isentos de responsabilidades.
Em contrapartida, as astronómicas fatias da dívida,
como tem sido bastamente denunciado nos últimos tempos e não desmentido, devem-se
a obras exorbitantes insuportáveis para as nossas posses, e aos desfalques
sucessivos dos oligarcas e apaniguados, que sacaram milhões de empréstimo à CGD
ou ao BPN. Face à falência deste, consequente de saques sucessivos, decidiu o
Governo cobrir o desfalque com o dinheiro que era dos cidadãos, dando espaço
aos autores para aumentarem o seu património, investirem nos paraísos fiscais,
ou de modo mais fútil e tolo, simplesmente o esbanjarem.
Houve um 1º ministro que com prosápia, afirmava nunca
ter dúvidas e raramente se enganar. Ensinou à generalidade dos portugueses que
era possível viver sem trabalhar, instalando na mente do povo a ilusão de que a
Europa era uma inesgotável cornucópia.
Concretizou essa
tese, pagando aos pescadores para não pescarem, aos produtores de leite para
abaterem os efectivos nas produções, dando subsídios a quem arrancasse olivais
e vinhas. Elogiado como um bom aluno “da Europa”, criou as condições para que
os outros países nos viessem vender as suas produções. Mandou construir
centenas de quilómetros de auto-estradas, assegurando que seriam o grande motor
para o desenvolvimento da economia nacional e assim nos colocar entre os mais
ricos da Europa.
O que se confirmou
foi que as ditas auto-estradas, figurando em 1º lugar entre as redes viárias
europeias, serviram e servem, nada mais, nada menos, do que para sangrar ainda
mais o interior, das populações residentes, levar mais depressa aos grandes
centros de consumo aqueles que ainda lá permanecem, e permitir os que ainda têm
dinheiro façam o seu turismo “cá dentro”.
É assim que funciona
este modelo de Democracia. Olhando para o umbigo, o governante eleito decide
segundo o seu imaginário, quantas vezes acolitado pelos apaniguados das grandes
empresas de construção, que no processo são os únicos a arrecadar incontáveis
rendimentos.
A TRISTE
REALIDADE é que o povo nunca foi
chamado a pronunciar-se sobre os maiores sorvedouros de dinheiro, mas ao povo
que os responsáveis por tais empreendimentos, símbolos de progresso mas que não
produzem riqueza, vêm buscar, quais vampiros, doses sucessivas do sangue vital.
Nunca, por nunca, eles arriscam qualquer parcela do seu património pessoal, e
havendo prejuízos, estão escudados por lei contra a reposição de valores. A
gestão danosa pelos políticos nunca é punida e os seus autores continuam
inimputáveis, sendo irrisório castigo pelo voto.
Outros, que reconhecidamente desfalcaram o erário
público e a economia nacional constituindo casos de polícia, auto-exilam-se
periodicamente fora do alcance da lei portuguesa, ou se refastelam
confortavelmente nas mansões adquiridas com dinheiro fácil, enquanto são
organizados processos infindáveis a concluir em véspera de prescrição do crime.
Outros ainda, vêm os processos arquivados não porque
não haja matéria para os levar a tribunal, mas porque as provas foram obtidas
ilegalmente. Assim, o acto ilegal da obtenção de provas, lava a veracidade do
crime de maior dimensão, cometido por outros mais poderosos.
DIZ O
GOVERNO que para cumprir o plano da
Tróica, os sacrifícios estão igualmente repartidos por todos os portugueses.
Mentira; Ao sacrifício devastador de uns, corresponde um suave contratempo de
outros.
Os 5% retirados a quem ganha mil euros, empurra-o
inexoravelmente para a fome e para o abandono da casa onde abriga a família. Os
10% de quem ganha 15.000 euros, leva-o quando muito a prescindir de vinhos
caros ou de comprar o novo BMW
série 5 para o filho adolescente. E a
vida de luxo obsceno, quando comparado com o quotidiano de quem vive do trabalho,
continua como se tal contributo não existisse.
Dir-se-ia: “Os
pobres podem passar fome porque já estão habituados. Coitadinhos dos ricos que
ficam privados do seu champanhe preferido”.
A DÍVIDA
SOBERANA, ainda não foi devidamente
explicada ao cidadão comum.
O que é? Como se caracteriza? Portugal (nós) tem de a
pagar, senão o quê?
Vem-me à memória o “Ultimato” inglês em 1890 a
propósito do” Mapa Cor-de-Rosa”. Os ingleses intimaram Portugal a desocupar a
faixa entre Angola e Moçambique. É fácil perceber porquê. Se por um lado, ao
abrigo do célebre “Tratado mais Antigo do Mundo”, foi com tropas inglesas que
os portugueses venceram os castelhanos por diversas vezes e mais tarde os invasores
de Napoleão, por outro, o relativo fausto da Corte portuguesa era mantido com
sucessivos empréstimos dos seus “primos” de Inglaterra. Tornando-se propícias
as condições geoestratégicas na época, a Inglaterra reclamou “em espécie” o que
considerava ser-lhe devido, ficando com os actuais territórios da Zâmbia, Zimbabué,
e Malawi.
E se Portugal não pagar a dívida soberana? Quem são os
credores? O FMI, e o BCE? Os bancos alemães? Os chineses, que nos últimos anos
têm comprado dívidas soberanas em todo o mundo, como que a preconizar uma mais
que provável hegemonia global?
Se aqueles que têm sustentado o nosso modo de vida “à
rica”, não recuperarem o seu dinheiro e quiserem cobrar “em espécie” o que é
que vêm buscar? Este jardim rectangular à beira mar plantado?
Que fará o Governo dessa altura? Entrega?
A estas perguntas que suponho, ninguém ainda respondeu,
segue-se a noção que já é do senso comum, de que Portugal há muito deixou de
ser um País independente.
Como pode
reclamar-se independente um país, cujos governantes eleitos se deixam dirigir em
nome da honra nacional, por um triunvirato que representa um Neo-Imperialismo
ainda que, como tal não caracterizado? E que, carecendo absolutamente de qualquer
representação democrática vem decidir entre outros assuntos, sobre aquilo que
nos é mais caro, os rendimentos do trabalho, sem o qual não se consegue vive
com um mínimo de dignidade?
Quem está disposto a
suportar a humilhação, de ter um governo comandado por um “cônsul” às ordens de
três estrangeiros?
Definitivamente, Portugal soberano e independente já
não existe. Vivemos uma independência virtual com os destinos da Nação nas mãos
destes políticos.
O que é que nos deixam para sentirmos o orgulho de ser
portugueses? Vestimos uma “superior” nacionalidade europeia?
Os prometidos referendos foram-nos subtraídos como se
fossemos de menoridade, e agora obrigam-nos paternalisticamente a assumir uma
escolha, que não fizemos.
A EUROPA, que nos fizeram acreditar ser a Europa dos Povos,
assume a sua verdadeira índole, que é a das multinacionais para quem os povos
não são mais, do que um rebanho onde vão buscar a lã, a carne e em breve, até o
estrume.
Que Europa queremos?
Parece que só os cidadãos podem reconstruir uma Europa
solidária, justa e democrática, e só assim verdadeiramente forte. Se for essa a
vontade colectiva dos povos europeus, perspectiva-se a essa acção um caminho
difícil com muito sofrimento, pois os lobos exigem conservar o seu estatuto,
manter o poder meticulosamente construído, e não aceitarão nunca uma equidade
de direitos e de deveres.
Nunca o aceitarão, porque só pode haver ricos se houverem
muito mais pobres.
Não esqueçamos que mil terão de viver na pobreza, para
produzir um rico.
Até quando estarão os trabalhadores, os pobres e os
despojados dispostos, a colaborar neste sistema?
É urgente um novo paradigma.
St Annes On The Sea
18Nov2011
Fernando Fonseca*
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