quinta-feira, 29 de novembro de 2012

DÍVIDA SOBERANA





DÍVIDA SOBERANA


GOSTARIA QUE ESTE ESCRITO fosse mais do que um simples desabafo, e nesse sentido, algo mais consistente do que os habituais desabafos “de café”.
Nessas tertúlias libertamos um pouco da energia contida, diria até, comprimida pelo Sistema político/administrativo que vigora em Portugal, agora sob o consulado de Passos Coelho.
Dizem que desabafar faz bem, mas sinto que sentirmo-nos bem, no âmago desta realidade não nos faz bem nenhum. Eterniza-nos a sonolência.
Os meus companheiros de desabafos revelam aspectos da crise que entretanto me passaram despercebidos, e conjuntamente, sentimos que o descontentamento geral tem aumentado. Todos dizemos que “isto” bateu no fundo, mas acabamos sempre por saber que existe uma infinidade de fundos que se subpõem, revelados a cada suposto limite. A conclusão repetida a cada encontro, é a de pena por não aparecer ninguém suficientemente carismático e credível, capaz de corporizar todos os nossos anseios, com capacidade de organização, de acção e de liderança de uma equipa de homens e de mulheres, absolutamente impolutos por provas dadas, agentes de um renovado paradigma Democrático.
Todos conhecemos figuras que ganharam o respeito geral e que aceitaríamos tomarem em mãos colegialmente, os destinos deste país, e em última instância devolver o orgulho, que ao nosso povo tem sido e continua a ser sistematicamente roubado.
Quando tentamos perceber, por que razão essas figuras detentoras de valores já postos à prova recusam alinhar no mundo da Política, a ideia, é de que não querem misturar-se na “porca da política” onde ficariam inevitavelmente conspurcados. Talvez porque no íntimo, cada um saiba que a sua acção seria inconsequente num oceano de águas sujas, onde imperam as corrupções nas diversas modalidades, os lóbis, os compadrios, e a gratidão por favores ou ajudas recebidas.
NUM ESTADO inundado por “políticos” formados exclusivamente pelos aparelhos partidários, em conformidade com as sensibilidades e interpretações programáticas de quem ciclicamente chega ao poder, conhecedores (?) somente, de itens seleccionados em função do voto, distantes das verdadeiras e prementes necessidades do povo para quem, em última instância deveriam governar. Actores numa política de catavento, feita em moldes de continuidade como quem navega sem bússola, incapazes de manter e muito menos melhorar as orientações do partido, e quando na oposição fazem inflamados discursos de contra maioria, fazendo-nos pensar, que no sistema de alternância partidária que lhes é tão caro, são criaturas de dupla personalidade.
Quem, com integridade de caracter se sujeitaria a um afogamento inútil neste oceano de invisíveis margens?
Faz-nos falta a nós cidadãos em Portugal, (vá lá saber-se porquê) a força anímica para unir vontades em torno de algo construtivo, de produzir uma dinâmica verdadeiramente revolucionária, (recordo Mohandas Gandhi). É que na ausência de tal capacidade a situação do povo e do país não tem saída.
Todavia, é forçoso reconhecer o significado e o valor das iniciativas populares, nomeadamente dos “indignados” que na Praça dos Restauradores, ousaram impor-se à esfíngica imagem governativa, mas cedo me pareceu, que a própria recepção dos líderes pelo Presidente da Assembleia da República, não passava de um sorriso de desdém mascarado de “audição da voz do povo”.
Como este, surgiu igualmente inspirado nas poderosas manifestações de Madrid, o grandioso movimento global de Indignação, de cariz internacionalista, como não podia deixar de ser face à realidade mundial dos problemas que a todos os povos afecta.
Mas esse movimento de protesto contra a exploração a que o Capital (vestindo agora a roupagem de Mercado), sujeita toda a população planetária, será sempre pouco menos do que inconsequente, se localmente não germinar uma inabalável e frutífera vontade de mudança.

EM DEMOCRACIA a razão de ser do Estado é o bem-estar e a segurança do povo. Quando os cidadãos têm cada vez menos pão, habitação mais precária, saúde cada vez mais cara, o acesso a educação pedagógica de qualidade lhes está dificultado, o Estado não tem razão de ser.
O modelo de Estado-Propriedade, com o poder centralizado num imperador, numa família, num ditador ou em oligarquias de índole diversa, é frequentemente proscrito ainda que só na palavra pelos líderes ocidentais, (veja-se a escandalosa relação com Khadafi) porque alegadamente assentam o seu poder numa negação dos direitos democráticos do povo.
Mas os mesmos lideres que se intitulam de democratas, são-no unicamente no momento do voto, expressão das vontades individuais genericamente “comprados” com as astronómicas despesas em campanhas eleitorais, (e, como tantas vezes todos assistimos na nossa terra, em troca de um frigorífico, da reparação de um caminho, ou da construção de uma marina, que ninguém quer).

Não é por acaso, que estes governantes perante as manifestações de descontentamento do povo, invocam o fantasma de uma potencial violência, perigosa para o “Estado Democrático”. Para o estado democrático, mas na versão daqueles que sustentam os regimes que se auto-intitulam de democráticos, e que de forma reptícia e continuada, vão promulgando leis e decretos, esses sim, geradores da verdadeira e mais traiçoeira violência a que o povo fica sujeito.
A lealdade que seria de esperar daqueles que mandatamos, esvai-se num virar de casaca, quiçá, revelador de má-fé.
Vêm agora sacar-nos, na modalidade de saque legal, o pouco que temos para pagar uma crise expressa na imagem de “Dívida Soberana”, de que não somos responsáveis.
Registe-se, que após a 2ª Guerra Mundial, gerações foram paulatinamente viciadas com um novo “ópio do povo”. Ópio camuflado de conforto ao alcance de todos, disfarçado de ”Qualidade de Vida”. Impingiram-nos a ideia sedutora de que todos poderíamos ser ricos. Ou que, não o sendo, parecer ser. A nova estratégia consistiu na invenção de “necessidades”, verdadeiros fetiches de um virtual desenvolvimento social. Os banqueiros, e atrás deles, grandes indústrias, hipermercados e um sem número de organizações, encontraram nesses promotores extraordinárias afinidades, e passaram a oferecer e muitas vezes a impingir créditos, sem se certificarem de que os destinatários tinham capacidade para os honrar. E se o fizeram, foi porque as situações de crédito mal parado a acontecerem, já estavam cobertas pelos lucros das vendas entretanto realizadas, sendo que as indústrias e os bancos se identificam em imensos “clusters”.
 É o caso exemplar da Alemanha, líder industrial da Europa que ganha com as vendas que faz para os outros países da União, e ganha com os juros do dinheiro que lhes empresta para essas mesmas compras. (Réplica actualizada do velho sistema Brasileiro em que os proprietários das roças vendiam os alimentos, as ferramentas e o vestuário aos seus trabalhadores, de tal modo que por muito que lhes pagassem, estes ficavam a dever cada vez mais ao patrão. É que o proprietário que detinha a única lei na roça tinha uma balança para pesar o que comprava e outra para o que vendia. E nem podiam os desgraçados fugir ao jugo do patrão, porque eram de seguida caçados por serem devedores. Os que não eram abatidos, só se libertavam da dívida trabalhando sem receber durante o tempo que o proprietário determinasse. Uma dissimulada forma de escravatura). Tal qual como o Estado que conhecemos; Exige pagamento por conta de um rendimento a acontecer, cobra IVA de quem ainda não ganhou, arresta os bens de quem não ganha o suficiente para pagar impostos, e não paga, ou paga tarde o que deve a terceiros que lhe prestam serviço.

VÊM ASSIM SAQUEAR-NOS de uma parte do nosso rendimento, que, segundo uma lei não revogada (*) é inalienável, por ser componente do património adquirido pelo nosso trabalho.
Levam-no, porque o país deve milhares de milhões ao estrangeiro.
Se uma parte dessa dívida, se reporta às tais “necessidades” que nos foram impingidas, para nos iludir com o estatuto de povo pertencente ao “Pelotão da Frente” como na época se dizia, reza o ditado que, “Quem o alheio veste na praça o despe”, pelo que não estamos colectivamente inteiramente isentos de responsabilidades.
Em contrapartida, as astronómicas fatias da dívida, como tem sido bastamente denunciado nos últimos tempos e não desmentido, devem-se a obras exorbitantes insuportáveis para as nossas posses, e aos desfalques sucessivos dos oligarcas e apaniguados, que sacaram milhões de empréstimo à CGD ou ao BPN. Face à falência deste, consequente de saques sucessivos, decidiu o Governo cobrir o desfalque com o dinheiro que era dos cidadãos, dando espaço aos autores para aumentarem o seu património, investirem nos paraísos fiscais, ou de modo mais fútil e tolo, simplesmente o esbanjarem.
Houve um 1º ministro que com prosápia, afirmava nunca ter dúvidas e raramente se enganar. Ensinou à generalidade dos portugueses que era possível viver sem trabalhar, instalando na mente do povo a ilusão de que a Europa era uma inesgotável cornucópia.
Concretizou essa tese, pagando aos pescadores para não pescarem, aos produtores de leite para abaterem os efectivos nas produções, dando subsídios a quem arrancasse olivais e vinhas. Elogiado como um bom aluno “da Europa”, criou as condições para que os outros países nos viessem vender as suas produções. Mandou construir centenas de quilómetros de auto-estradas, assegurando que seriam o grande motor para o desenvolvimento da economia nacional e assim nos colocar entre os mais ricos da Europa.
O que se confirmou foi que as ditas auto-estradas, figurando em 1º lugar entre as redes viárias europeias, serviram e servem, nada mais, nada menos, do que para sangrar ainda mais o interior, das populações residentes, levar mais depressa aos grandes centros de consumo aqueles que ainda lá permanecem, e permitir os que ainda têm dinheiro façam o seu turismo “cá dentro”.
É assim que funciona este modelo de Democracia. Olhando para o umbigo, o governante eleito decide segundo o seu imaginário, quantas vezes acolitado pelos apaniguados das grandes empresas de construção, que no processo são os únicos a arrecadar incontáveis rendimentos.
A TRISTE REALIDADE é que o povo nunca foi chamado a pronunciar-se sobre os maiores sorvedouros de dinheiro, mas ao povo que os responsáveis por tais empreendimentos, símbolos de progresso mas que não produzem riqueza, vêm buscar, quais vampiros, doses sucessivas do sangue vital. Nunca, por nunca, eles arriscam qualquer parcela do seu património pessoal, e havendo prejuízos, estão escudados por lei contra a reposição de valores. A gestão danosa pelos políticos nunca é punida e os seus autores continuam inimputáveis, sendo irrisório castigo pelo voto.
Outros, que reconhecidamente desfalcaram o erário público e a economia nacional constituindo casos de polícia, auto-exilam-se periodicamente fora do alcance da lei portuguesa, ou se refastelam confortavelmente nas mansões adquiridas com dinheiro fácil, enquanto são organizados processos infindáveis a concluir em véspera de prescrição do crime.
Outros ainda, vêm os processos arquivados não porque não haja matéria para os levar a tribunal, mas porque as provas foram obtidas ilegalmente. Assim, o acto ilegal da obtenção de provas, lava a veracidade do crime de maior dimensão, cometido por outros mais poderosos.

DIZ O GOVERNO que para cumprir o plano da Tróica, os sacrifícios estão igualmente repartidos por todos os portugueses. Mentira; Ao sacrifício devastador de uns, corresponde um suave contratempo de outros.
Os 5% retirados a quem ganha mil euros, empurra-o inexoravelmente para a fome e para o abandono da casa onde abriga a família. Os 10% de quem ganha 15.000 euros, leva-o quando muito a prescindir de vinhos caros ou de comprar o novo BMW série 5 para o filho adolescente. E a vida de luxo obsceno, quando comparado com o quotidiano de quem vive do trabalho, continua como se tal contributo não existisse.
Dir-se-ia: “Os pobres podem passar fome porque já estão habituados. Coitadinhos dos ricos que ficam privados do seu champanhe preferido”.

A DÍVIDA SOBERANA, ainda não foi devidamente explicada ao cidadão comum.
O que é? Como se caracteriza? Portugal (nós) tem de a pagar, senão o quê?
Vem-me à memória o “Ultimato” inglês em 1890 a propósito do” Mapa Cor-de-Rosa”. Os ingleses intimaram Portugal a desocupar a faixa entre Angola e Moçambique. É fácil perceber porquê. Se por um lado, ao abrigo do célebre “Tratado mais Antigo do Mundo”, foi com tropas inglesas que os portugueses venceram os castelhanos por diversas vezes e mais tarde os invasores de Napoleão, por outro, o relativo fausto da Corte portuguesa era mantido com sucessivos empréstimos dos seus “primos” de Inglaterra. Tornando-se propícias as condições geoestratégicas na época, a Inglaterra reclamou “em espécie” o que considerava ser-lhe devido, ficando com os actuais territórios da Zâmbia, Zimbabué, e Malawi.
E se Portugal não pagar a dívida soberana? Quem são os credores? O FMI, e o BCE? Os bancos alemães? Os chineses, que nos últimos anos têm comprado dívidas soberanas em todo o mundo, como que a preconizar uma mais que provável hegemonia global?
Se aqueles que têm sustentado o nosso modo de vida “à rica”, não recuperarem o seu dinheiro e quiserem cobrar “em espécie” o que é que vêm buscar? Este jardim rectangular à beira mar plantado?
Que fará o Governo dessa altura? Entrega?
A estas perguntas que suponho, ninguém ainda respondeu, segue-se a noção que já é do senso comum, de que Portugal há muito deixou de ser um País independente.
Como pode reclamar-se independente um país, cujos governantes eleitos se deixam dirigir em nome da honra nacional, por um triunvirato que representa um Neo-Imperialismo ainda que, como tal não caracterizado? E que, carecendo absolutamente de qualquer representação democrática vem decidir entre outros assuntos, sobre aquilo que nos é mais caro, os rendimentos do trabalho, sem o qual não se consegue vive com um mínimo de dignidade?
Quem está disposto a suportar a humilhação, de ter um governo comandado por um “cônsul” às ordens de três estrangeiros?
Definitivamente, Portugal soberano e independente já não existe. Vivemos uma independência virtual com os destinos da Nação nas mãos destes políticos.
O que é que nos deixam para sentirmos o orgulho de ser portugueses? Vestimos uma “superior” nacionalidade europeia?
Os prometidos referendos foram-nos subtraídos como se fossemos de menoridade, e agora obrigam-nos paternalisticamente a assumir uma escolha, que não fizemos.
A EUROPA, que nos fizeram acreditar ser a Europa dos Povos, assume a sua verdadeira índole, que é a das multinacionais para quem os povos não são mais, do que um rebanho onde vão buscar a lã, a carne e em breve, até o estrume.
Que Europa queremos?
Parece que só os cidadãos podem reconstruir uma Europa solidária, justa e democrática, e só assim verdadeiramente forte. Se for essa a vontade colectiva dos povos europeus, perspectiva-se a essa acção um caminho difícil com muito sofrimento, pois os lobos exigem conservar o seu estatuto, manter o poder meticulosamente construído, e não aceitarão nunca uma equidade de direitos e de deveres.
Nunca o aceitarão, porque só pode haver ricos se houverem muito mais pobres.
Não esqueçamos que mil terão de viver na pobreza, para produzir um rico.
Até quando estarão os trabalhadores, os pobres e os despojados dispostos, a colaborar neste sistema?
É urgente um novo paradigma.
(*) – Dec Leinº 496/80 de 20Out, artº17
St Annes On The Sea
18Nov2011
Fernando Fonseca*

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