FRUTOS DA REVOLUÇÃO
Escrevi há dois dias que é preciso “derrubar o castelo de
cartas e reorganizar os naipes, pois só a rotura política e social permite
corrigir os desmandos do Poder”.
Hoje, ao reler “NOVENTA
E TRÊS” de Victor Hugo,
penso que tenho de clarificar a expressão “derrubar o castelo de cartas…”.
…
Somos todos os dias confrontados com mais decisões do Governo
de Passos, que visam acima de tudo, lesar o povo em benefício de intermediários,
grandes empresas monopolistas com rendas do Estado, de multinacionais, de
ladrões e vigaristas na administração pública que se furtam a uma justiça
compassiva lasciva e impotente, com leis cúmplices boas para banqueiros,
agiotas e especuladores de toda a espécie.
Está mais que provado, que a simples rotura política não
resolve o problema de fundo.
Neste estado de coisas, sinto, como dizia na mesma carta a
uma amiga, que o meu maior incómodo enquanto cidadão deste Portugal, é
sentir-me impotente contra o roubo sistemático e a agressão moral, por parte
daqueles em quem o povo alegadamente confiou.
Ao caminheiro descalço, a caminhada desenvolve calos que o
protegem da gravilha dos caminhos.
Milímetro a milímetro têm vindo os Governos a amansar o povo.
Este, acostumando-se com aparente inocuidade, viu a sua mansidão ocasional
tornar-se com o tempo, em questão temperamental.
Mas ao contrário dos calos, a habituação não nos protege de coisa
nenhuma. Pelo contrário, anestesia a úlcera que nos devora. Já não somos
capazes de reagir adequadamente, porque nos fizeram acreditar que a violência,
mesmo quando adequada e justa, “parece mal” sobretudo perante a “comunidade
internacional”.
A lei do mais forte
sempre dominou e continuará a impor-se, tão determinadamente como a lei da
gravidade. Enquanto o povo, esse oceano de vontades, não for capaz de mostrar a
sua força e determinação, o Estado continuará a exaurir-nos até que cada um de
nós implore um dia de trabalho por uma tigela de sopa.
De pressão em pressão se faz a opressão.
E que fazemos nós? Disfarçamos o nosso masoquismo
manifestando-nos, desabafando entre nós, trocando e-mails a denunciar os
escândalos, mas não fazemos nada.
“Eles” sabem que nos ficamos por aí. Que continuaremos a
encaixar mais sacrifício, como se por fim ganhássemos o céu. Porque somos um
povo ”pacífico”, “sereno”, “cordato” – civilizado.
Cinquenta anos depois, voltei a ler a extraordinária
caracterização de Victor Hugo sobre a CONVENÇÂO de 1793; barafunda, confusão, o caos, as
invejas, as traições, os crimes, as execuções pouco mais do que – ou mesmo –
sumárias, baseadas em levianas denúncias ou simples suspeitas.
O risco e a dor são inseparáveis do parto. E maravilhei-me
com o que naquela fornalha infernal se forjou.
Transcrevo os frutos da CONVENÇÃO de Paris segundo Victor
Hugo, 80 anos depois dos acontecimentos, em “NOVENTA E TRÊS” – Terceiro livro –
A Convenção – parte IX:
…
“Ao mesmo tempo que deixava evolar-se a revolução, esta
assembleia produzia a civilização.
Fornalha, mas forja. Nesta tina em que fervia o terror,
fermentava o progresso. Deste caos de sombra e desta tumultuosa fuga de nuvens,
saíam imensos raios de luz paralelos às leis eternas. Raios que ficaram no
horizonte, visíveis para sempre no céu dos povos, e que são um a justiça, outro
a tolerância, outro a bondade, outro a razão, outro a verdade, outro o amor. A
Convenção promulgava este grande axioma: - A
liberdade do cidadão termina onde começa a doutro cidadão; o que resume em duas linhas toda a
sociabilidade humana. Declarava a indigência sagrada; declarava a enfermidade
sagrada no cego e no surdo-mudo tornados pupilos do estado, a maternidade
sagrada na mulher-mãe que consolava e levantava, a infância sagrada no órfão
que fazia adoptar pela pátria, a inocência sagrada no acusado absolvido a quem
indemnizava. Prescrevia o tráfico de negros; abolia a escravatura. Proclamava a
solidariedade cívica. Decretava a instrução gratuita. Organizava a educação
nacional com a escola normal de Paris, a escola central nas capitais dos
distritos e a escola primária na comuna. Criava as conservatórias e os museus.
Decretava a unidade do código, a unidade de pesos e medidas, a unidade do
cálculo pelo sistema decimal.
Fundava as finanças da França e à longa bancarrota monárquica
fazia suceder o crédito público. Dava à circulação o telégrafo, à velhice os
hospícios dotados, à doença os hospitais purificados, ao ensino a escola
politécnica, à ciência a repartição das longitudes, ao espírito humano o
instituto. Ao mesmo tempo que era nacional era cosmopolita. Dos doze mil
duzentos e dez decretos que saíram da Convenção, um terço tem um fim político e
os dois terços um fim humanitário. Declarava a moral universal base da
sociedade e a consciência universal base da lei. E tudo isto, servidão abolida
fraternidade proclamada, humanidade protegida, consciência humana rectificada,
lei do trabalho transformada em direito e de onerosa tornada benéfica, infância
esclarecida e assistida, letras e ciências propagadas, luz acesa em todas as
eminências, auxílio a todas as misérias, promulgação de todos os princípios, a
Convenção fazia-o tendo nas entranhas uma hidra – a Vendea, e nos ombros uma
cáfila de tigres, - os reis”.
Eis como a humanidade deu um salto de gigante.
O governo de Passos Coelho ao serviço de estrangeiros e de
nacionais que arrecadam lá fora o que nos vão subtraindo, procura ao revés da
História, eliminar todas estas conquistas que são essenciais para a dignidade
do Homem.
Mais cedo do que tarde hão-de unir-se os ventos dispersos, para num vendaval
limparem os ramos podres da floresta.
Lytham St.Annes 19set2012
F.Fonseca
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